Por Cristian Klein -Valor Econômico
VITÓRIA - Na reta final, a disputa pela Prefeitura de Vitória afunilou entre o prefeito Luciano Rezende (PPS) e o deputado estadual e apresentador de TV Amaro Neto (SD) - um desafiante que caiu no gosto da população à procura de um político não tradicional.
Em seu programa, Amaro apresenta e faz paródias de notícias policiais. Dança funk, simula uma rave no estúdio, debocha de assaltantes entalados em buracos de ar-condicionado ou que se "borraram" ao serem levados à delegacia. Já fingiu ser uma galinha que punha ovos e consumia crack. Incorpora um personagem caricato, a quem a responsabilidade de governar a capital poderia ser uma tarefa improvável. "É informação policial com leveza. Podem achar graça ou patético, depende do ponto de vista", afirma.
A candidatura do deputado estadual mais votado em 2014 respondeu a estímulos da classe política tradicional. Recebeu apoio, nos bastidores, do governador Paulo Hartung (PMDB), cujo objetivo maior é impedir a vitória de Luciano Rezende. A relação entre governador e prefeito da capital é tão deteriorada que ambos mal disfarçam a ojeriza. Cerimoniais de solenidades públicas evitam colocá-los lado a lado para que não se cumprimentem.
Hartung incentivou candidaturas em sua base aliada. Por seu partido, o PMDB, lançou o deputado federal Lelo Coimbra. Pelo PSDB, o ex-prefeito Luiz Paulo Velloso Lucas só não entrou na disputa porque desejava ser um candidato de consenso do grupo. Coube ao jornalista Amaro Neto, apresentador do programa policial "Balanço Geral", de perfil popular, exibido pela TV Record, logo despontar como maior ameaça à recondução de Rezende.
Pela última pesquisa do Ibope, Amaro Neto tem 34% das intenções de votos contra 31% do prefeito, numa situação de empate técnico. Luciano Rezende respira depois de patinar na largada da campanha e ver sua ida ao segundo turno sob risco, com o crescimento de Lelo Coimbra, que se estabilizou nos 14%.
O principal adversário, porém, é difícil. Amaro Neto surfa na onda de descontentamento com a classe política que atinge também outras cidades brasileiras. Em Vitória, o desencanto leva parte do eleitorado a apostar no "diferente". "Tem que mudar. Se não der certo, a gente muda de novo em quatro anos", justifica o taxista. Outro motorista da praça afirma que Amaro lembra o deputado federal e palhaço Tiririca (PR-SP), mas "fala o que pensa" e "diz na linguagem do povo".
Amaro poderia ser descrito como uma mistura de Wagner Montes - deputado estadual (PRB) que já apresentou o mesmo programa para o Rio - com o comediante Sérgio Mallandro. "Sou mais doido que o Wagner", diz o deputado, que nega andar cercado de seguranças. Mas já recebeu, conta, dez ameaças de morte na primeira passagem pelo "Balanço Geral", antes do período de quase dois anos em que trabalhou na TV Bandeirantes em Minas Gerais.
Na volta ao Espírito Santo, decidiu se candidatar a deputado e já pensa em ser governador. "Não pertenço a grupo político ou empresarial. Não preciso de cabo eleitoral para formar meu secretariado. É uma vantagem. Vou ter independência em relação à Câmara", diz.
Amaro Neto argumenta que sua candidatura está em sintonia com as de João Dória (PSDB) e Celso Russomanno (PRB), em São Paulo; Marcelo Crivella (PRB), no Rio, e João Leite (PSDB) e Alexandre Kalil (PHS), em Belo Horizonte. "Esta eleição é de novas caras, novas figuras", defende. Como deputado, Amaro apresentou 37 projetos. Aprovou dois: o que instituiu a Comenda Convento da Penha e o que criou o Dia do Marlim-azul, embora não se lembre quando é a data comemorativa.
Apesar da bizarrice de sua atuação na TV, durante a conversa na Assembleia Legislativa, Amaro Neto se reveste de formalidade. Sua candidatura, diz, também foi estimulada pelo ex-prefeito João Coser (PT), atual secretário de Desenvolvimento Urbano. É sério e pontual - diferentemente do prefeito, que desmarcou a entrevista agendada na semana anterior. A Rezende foram sugeridos outros dois horários, mas o candidato pediu à reportagem que enviasse perguntas por email. Depois, avisou que não as responderia "até o fechamento da edição", ainda que não soubesse o prazo.
A relação entre Rezende e Paulo Hartung azedou de vez há dois anos. Ao prefeito - que apoiava a reeleição do então governador Renato Casagrande (PSB) - é atribuído o vazamento de dados da secretaria municipal de Fazenda que mostravam o patrimônio de Hartung e tentavam atrapalhar a volta dele ao governo estadual.
Em 2012, outro episódio que estremeceu a relação foi a recusa de Luciano Rezende em abrir mão de concorrer à prefeitura em favor de uma candidatura de consenso de Hartung, à época sem mandato eletivo. Rezende havia sido por quatro vezes secretário municipal ou estadual pelo grupo liderado pelo atual governador. Dois anos antes, elegera-se deputado estadual em boa parte graças ao suporte de Hartung. Mas estava decidido a disputar a prefeitura. Ao ver seu plano frustrado, Hartung apoiou explicitamente o adversário de Luciano Rezende, o tucano Luiz Paulo Velloso Lucas, numa exceção em sua tradicional estratégia de evitar o desgaste com possíveis derrotas de aliados - o que acabou acontecendo em 2012.
Agora, Hartung volta ao modo padrão. Quer derrotar Rezende, mas não se posicionou a favor de Lelo Coimbra - embora sejam do mesmo partido - nem de Amaro Neto. Questionado se a falta do apoio explícito do cacique estadual não o prejudica, Coimbra - que foi vice-governador no primeiro mandato de Hartung, entre 2003 e 2006 - minimiza. "Ele tomou a decisão de ficar neutro. Mas somos aliados históricos. E tenho o apoio dos principais secretários do governo", diz o pemedebista.
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