Nelson de Sá – Folha de S. Paulo
SÃO PAULO - A cobertura da Rede Globo não se mostrou preparada para a vitória de Marcelo Crivella (PRB). Ao anunciar a pesquisa de boca de urna do Ibope, apontando o sobrinho de Edir Macedo, dono da Rede Record, como novo prefeito do Rio, não sabia o que comentar.
O âncora William Bonner até postergou, ao apresentar o comentarista Heraldo Pereira: "Começando por Goiânia, né, Heraldo?". Só depois Bonner permitiu: "Vamos para o Rio de Janeiro". E Pereira, comentando sem comentar:
"Os números do Rio refletem a evolução das pesquisas. As pesquisas que nós vimos aí nas últimas semanas, o candidato Crivella à frente de Freixo. Esta era uma tendência que as pesquisas já mostravam."
Para ser mais preciso, ao noticiar a pesquisa do dia anterior, o "Jornal Nacional" havia destacado que "a vantagem [de Crivella] vem recuando, a diferença caiu seis pontos". Já em Goiânia "o Ibope aponta a vitória de Íris Rezende", que tinha os mesmos 57% de Crivella.
O contraste no tratamento chamou a atenção do pastor Silas Malafaia, partidário de Crivella, que saiu tuitando: "Crivella e Íris Rezende possuem a mesma vantagem nas pesquisas. Para Íris, o 'JN' disse que ele deve ganhar. Crivella? Nada". Segundo ele, "a Globo diz que Crivella caiu tentando influenciar o eleitor em favor de Freixo".
A acusação já vinha do próprio Crivella, dias antes, ao fugir de um debate no "RJTV" "em função da minha indignação com a cobertura manipuladora e tendenciosa que a Globo tem feito contra a minha candidatura".
O agora prefeito eleito afirmou então, publicamente: "Não querem que eu entre na prefeitura porque ali tem milhões e milhões gastos com publicidade".
Da transmissão do Carnaval a instituições como o Museu do Amanhã, "iniciativa da Prefeitura do Rio e da Fundação Roberto Marinho", na descrição da própria Globo, não faltam relações entre TV e poder público municipal.
De sua parte, a TV do tio de Crivella não faltou no apoio, ao longo da campanha. Na semana final, para evitar qualquer ameaça à dianteira, cancelou o debate que faria, com uma justificativa risível, responsabilizando "o processo de mudança da sede da emissora, que está em andamento".
No domingo, embora tenha acompanhado as votações desde a manhã, nos intervalos da programação, a Record demorou para noticiar a vitória de Crivella. E a âncora Adriana Araújo procurou ser contida: "A capital do Rio já tem o prefeito eleito. É Marcelo Crivella, do PRB. Crivella eleito."
Só depois entrou a Globo, mesmo assim deixando para noticiar depois de Manaus e o país inteiro: "E mostrando aqui a situação do Rio, tivemos a eleição de Marcelo Crivella, candidato do PRB, com 59% dos votos".
A apresentação partiu logo para o ataque: "Agora, um outro número, para a gente olhar nesta eleição no Rio, é o de abstenções. 26,85%, quase 27% do eleitorado não apareceu para votar".
Entra Bonner: "Heraldo Pereira, que números". E Pereira, comentando, afinal: "É o número do não-voto. Só em relação a abstenções no Rio, 26,85%. São 1.309 mil eleitores que deixaram de votar. Realmente impressionante".
O questionamento da legitimidade da eleição do sobrinho de Edir Macedo anuncia o que serão os próximos quatro anos, no Rio. Uma batalha que ganhou expressão cômica na tela da GloboNews, canal de notícias da Globo, que começou a transmitir o discurso de vitória de Crivella sem conseguir mostrar o seu rosto.
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