O direito de greve definido pela Constituição de 1988 foi regulamentado no ano seguinte pela Lei 7.783, no que diz respeito ao setor privado, mas desde então o Poder Legislativo tem fugido à responsabilidade de regulamentar a greve também no setor público. Consequentemente, tem cabido ao Poder Judiciário, ao longo de quase três décadas, decidir sobre questões relativas ao direito de greve de funcionários do governo. Foi o que fez mais uma vez o Supremo Tribunal Federal (STF) ao estabelecer, em sessão plenária realizada na quinta-feira passada, por 6 a 4, que servidores públicos em greve deverão ter os dias parados descontados de seus salários. Fica aberta, porém, a possibilidade de pagamento dos dias não trabalhados, desde que haja acordo entre as partes ou que o motivo da greve tenha sido o não pagamento de salário.
Os congressistas, geralmente movidos por uma noção precária das responsabilidades implícitas em seus mandatos de representação popular, têm verdadeira aversão a se expor no debate público de questões controvertidas que possam contrariar seu eleitorado. Não é por outra razão que existe um sólido consenso sobre as “enormes dificuldades” que o governo terá que enfrentar para aprovar no Parlamento propostas essenciais, mas impopulares, como a reforma da Previdência. Os ditos representantes do povo preferem se omitir e, com a cabeça enterrada na areia e o resto da anatomia na clássica posição das emas, ainda se julgam no direito de reclamar de que o STF “usurpa” atribuições do Congresso Nacional.
A decisão dos ministros togados resolve uma questão pendente há 10 anos, quando foi apresentado recurso contra decisão do Tribunal de Justiça fluminense que impediu o desconto no pagamento dos dias parados de grevistas de uma fundação estatal. Só no ano passado o relator do processo no STF, ministro Dias Toffoli, apresentou seu relatório, favorável ao desconto e agora aprovado.
A decisão coloca em foco, além do direito ou não ao recebimento de pagamento durante greve, o conceito de serviço público. O viés populista no trato de questões trabalhistas desde Getúlio Vargas não tem contribuído para o entendimento claro do significado de serviço público. O servidor público, por definição explicitada no próprio título, se distingue do trabalhador no setor privado pela responsabilidade social inextricavelmente vinculada à sua condição. Essa responsabilidade é compensada por privilégios que o trabalhador comum não tem: estabilidade no emprego, que deriva do fato de ser conquistado por concurso público, e aposentadoria integral, esta questionada no âmbito da reforma geral da Previdência Social. Não tem sentido o servidor público reivindicar mais um privilégio, o de não ter descontados de seu salário os dias dedicados a fazer greve.
Servir ao público, o que significa servir ao País, implica também não permitir que interesses corporativos se sobreponham ao direito que o conjunto dos cidadãos tem de exigir que lhe sejam prestados os serviços pelos quais paga por meio de taxas e impostos. É por esse motivo que o direito de greve é negado aos servidores públicos na maior parte do mundo, por exemplo, na Inglaterra, Alemanha, Japão e Estados Unidos – neste com exceção de apenas 10 de seus 50 Estados federados. E cabe ainda observar que no Brasil o direito de greve é garantido apenas a servidores civis de categorias não envolvidas em atividades essenciais à segurança da população.
Como era de esperar, os sindicalistas manipulados pelo lulopetismo reagiram mal à decisão do STF. Entidade ligada à Central Única dos Trabalhadores (CUT), a Confederação dos Trabalhadores do Serviço Público Federal manifestou-se em tom de bravata: “Nossa categoria não é de recuar com esse tipo de intimidação”. Entendem esses sindicalistas que a Suprema Corte faz parte da conspiração contra as manifestações antigovernistas que estão sendo planejadas como preparação para uma greve geral em novembro.
Como nota hilária desse episódio, em sintonia com o sentimento “popular” o ministro Lewandowski, voto vencido no STF, afirmou ter “muita resistência a estabelecer condições unilaterais para o exercício de um direito constitucional”. A julgar pelo que engendrou no último ato do julgamento do impeachment de Dilma Rousseff, não parece.
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