quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Mudança de perfil demográfico pressiona saúde e previdência – Editorial / Valor Econômico

Os demógrafos já sabiam há algum tempo que as pressões sobre os gastos da Previdência Social se acentuariam na atual década - período de transição de um crescimento modesto da população acima de 60 anos para outro de velocidade bem maior. A porcentagem de idosos (60 anos ou mais) em relação ao total das pessoas em idade ativa no país aumentou de 13,3% em 2000 para 15,6% em 2010. Até 2020, serão 21,2% e os saltos nas décadas seguintes serão mais rápidos, mostra estudo recém-divulgado do especialista do IBGE, Celso Cardoso da Silva Simões, que reúne as estatísticas relevantes mais recentes. Elas iluminam o pano de fundo das mudanças no regime previdenciário, já bastante desequilibrado pelos benefícios dados aos aposentados do setor público. A correção de rota tornou-se inadiável e pode estar vindo tarde.

A vantagem de ser um país jovem começa a diminuir agora e se esvai ao longo das próximas décadas. A partir de 2020, o contingente dos idosos crescerá perto de 5 milhões de pessoas a cada dez anos até 2050. Já a população em idade de trabalhar passa a decrescer a partir da década de 20. Em 2020, pelas projeções, haverá 66,1 idosos para cada 100 crianças e adolescentes (de 0 a 14 anos), proporção que se reverterá até 2030, quando se prevê que haverá mais idosos que crianças e adolescentes - 105,8 para cada 100. Então, o número de cidadãos com mais de 60 anos, de 18,6 milhões, ultrapassará os da primeira idade, de 17,6 milhões.

"O fato é que, enquanto o número de pessoas com 60 anos ou mais de idade passará de 19,6 milhões para 66,6 milhões, entre 2010 e 2050, o que representa um aumento de 239,0%, o grupo de 0 a 14 anos de idade se reduzirá de 49,9 milhões para 31,8 milhões, configurando um decréscimo de 36,2%", conclui o estudo.

O drama da previdência, já bem conhecido, é que as despesas, de 7,4% do PIB em 2015, já eram altas para um país com perfil demográfico favorável, e equivalentes ou até mesmo superiores às de países desenvolvidos com proporção de idosos muito superior, como Alemanha e Japão. Ou seja, os gastos já eram elevados antes do processo de envelhecimento se consolidar, como começa a ocorrer. A disparidade entre receitas e despesas é muito maior na previdência do setor público, usufruída por um número muito menor que o da previdência geral e com aposentadoria muito superior à da média da população brasileira, que é baixa (mais da metade não recebe mais de um salário mínimo).

Grande parte desse gasto com a previdência do setor público não é passível de ser revertido, pois funcionários antigos que se aposentaram com salário integral seguiram as regras legais do período. Uma das formas de ampliar receitas pode ser o aumento de contribuições dos inativos, algo que já se busca na previdência dos servidores estaduais, quase todas quebradas. Não haverá forma de conter o problema da previdência sem colocar limites a aposentadorias precoces e reavaliar os gastos de vários programas assistenciais sobre os quais há suspeitas de fraudes relevantes.

Se é necessário e difícil mexer no vespeiro da Previdência, pela reação de grupos bem aquinhoados que querem manter privilégios a que a base da pirâmide social não tem direito, não é possível ignorar que a mudança de perfil demográfico traz consigo outras complicações. O sistema de saúde, hoje muito precário, receberá pressões crescentes. O estudo de Celso Simões ilustra uma das consequências mais diretas e imediatas - a expansão dos gastos com internação dos idosos. A média de permanência em internações no Brasil, em 2010, era 37% maior para as pessoas com idade superior a 60 anos do que para as pessoas na faixa do 0 a 14 anos - 7,6 dias ante 4,8 dias. O gasto médio das internações de idosos é bem superior ao de crianças e adolescentes, 25,5% a mais, na média do país. A necessidade de financiamento adicional à saúde já se faz sentir no curto prazo. Seus gastos, da ordem de 2% do PIB, são insuficientes hoje e o serão mais logo à frente.

Com bem menos gente para sustentar um volume crescente de inativos, o Brasil terá de ser muito mais produtivo do que foi no passado. A importância da educação de qualidade ganha contornos ainda mais decisivos também pela mudança demográfica desfavorável. Melhorias constantes na educação e na saúde preparariam o país para um futuro desafiador. Elas não aconteceram ou aconteceram em um ritmo insuficiente. O atraso já custa caro.

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