- O Globo
Para se ter uma ideia de como a prisão de Eduardo Cunha afetou o mundo político, bastam dois fatos. O presidente Michel Temer antecipou seu regresso do Japão, e o presidente do Senado, Renan Calheiros, respondeu assim a uma pergunta: “Nem é bom comentar”.
Temer é um dos cinco amigos de uma fábula que Cunha gostava de contar, como maneira de constrangê-los. “Era uma vez cinco amigos que faziam tudo junto, viajavam, faziam negócios. Então, um virou presidente, três viraram ministros, e o último foi abandonado… E isso não vai ficar assim”.
Dos três outros, há certeza de dois ministros: Geddel Vieira Lima, da Secretaria de Governo, e Eliseu Padilha, chefe da Casa Civil. O terceiro tanto pode ser Romero Jucá, que já foi ministro do Planejamento, como Moreira Franco, secretário do Programa de Privatizações.
Moreira nunca foi muito ligado a Cunha, e ultimamente vinha sendo seu alvo preferido, pois atribui a ele a indicação do deputado Rodrigo Maia, genro de Moreira, para a presidência da Câmara em sua substituição.
Vê-se pelos dois exemplos como a prisão de Eduardo Cunha mexeu com a cúpula do PMDB, até mesmo com Renan, que nunca se deu bem com Cunha e tentava contrastá-lo no comportamento diante das acusações. Cunha decidiu confrontar o Judiciário, e fez críticas até mesmo ao STF, quando tinha foro privilegiado, e apenas o plenário do STF podia julgá-lo, enquanto Renan optou por uma postura mais dócil, na ilusão de que contaria com a benevolência dos ministros. Por enquanto a tática está dando certo.
Mas não apenas no PMDB a prisão de Cunha repercutiu. Prisão tão emblemática é um sinal para a classe política de que acabou a brincadeira, assim como a condenação do ex-senador Gim Argello a 19 anos de cadeia deixou a classe em polvorosa.
A prisão preventiva decretada pelo juiz Sérgio Moro também serve para desacreditar de vez a tese de que o PT e Lula, seu principal líder, estavam sendo perseguidos seletivamente por Moro e os procuradores de Curitiba. Parecia óbvio, quando foi anunciada, que a prisão por tempo indeterminado se baseava na atuação de Cunha de obstrução da Justiça, e foi isso que Moro alegou. Os procuradores da Lava-Jato sustentam que a liberdade do ex-parlamentar representava risco à instrução do processo, à ordem pública, e abria brecha para uma eventual fuga do acusado, em virtude da disponibilidade de recursos ocultos do peemedebista no exterior, com que concordou Moro.
Segundo o despacho do juiz de Curitiba, foi o “modus operandi” de Eduardo Cunha que motivou sua prisão. “Considerando o histórico de conduta e o modus operandi, remanescem riscos de que, em liberdade, possa o acusado Eduardo Cosentino da Cunha, diretamente ou por terceiros, praticar novos atos de obstrução da Justiça, colocando em risco a investigação, a instrução e a própria definição, através do devido processo, de suas eventuais responsabilidades criminais. (...) Presente, portanto, risco à investigação, à instrução e de forma mais geral à integridade do processo, o que é causa para a prisão preventiva”.
Moro classificou Cunha de “criminoso serial”, e embora esteja sendo processado neste caso pela propina que é acusado de ter recebido pela compra de um campo de petróleo pela Petrobras em Benin, na África, o ex-presidente da Câmara tem diversas outras acusações contra ele sendo investigadas e provavelmente será condenado a pena grave.
Por isso, a possibilidade de uma delação premiada por parte dele é vista como alta. Vai ser preciso, porém, negociar com muita paciência, pois o Ministério Público acha que a prisão de Cunha é exemplar, e quer deixá-lo atrás das grades por muito tempo.
Além do mais, será preciso investigar bem para saber o que é verdade e o que é simples vingança de Cunha contra os que considera que o traíram.
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