quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Novo silêncio dos inocentes - Roberto de Toledo

- O Estado de S. Paulo

• Melhor não cutucar a memória do mais poderoso presidente da Câmara desde Ulysses

Como esperado, a prisão de Eduardo Cunha foi, disparado, o assunto mais comentado pelos deputados federais em seus perfis nas redes sociais. Mais de uma centena de tuítes em três horas. Entre o desejo e a análise, duas projeções não necessariamente opostas dominaram a timeline parlamentar: a implicação da prisão sobre os futuros do governo Temer e de Lula. Curiosamente, raros arriscaram palpitar sobre o destino da própria Câmara, porém.

Alguns deputados da nova oposição (petistas e aliados que sobraram) comemoraram como prato frio a prisão do maior responsável por eles terem deixado de ser governo. Resgataram o grampo de Romero Jucá (PMDB-RR) – “porque o Michel é Eduardo Cunha” – para prever a queda do novo presidente em futuro não muito distante, graças a uma eventual delação premiada de Cunha.

“Cai o rei de ouros, cai o rei de paus, cai, não fica nada” foi uma das citações usadas – em referência à hipótese radical de uma eleição indireta pelo Congresso vir a ser necessária para ocupar o vácuo deixado pela suposta deduragem do peemedebista. Vai longa distância para as cartomantes emplacarem sua profecia.

Cunha tem o que dizer, não resta dúvida. Mas é preciso uma sucessão de fatos para a vingança petista ser completa: 1) Cunha querer falar, 2) Cunha falar o que a nova oposição espera ouvir, 3) Procuradoria querer ouvir, 4) o Juízo aceitar a delação, 5) haver provas físicas do que ele vier a dizer, 6) quem for delatado ser investigado, denunciado e virar réu no Supremo.

É possível imaginar um atalho para esse processo? Por exemplo, que a eventual delação desestabilize o governo a ponto de comprometer a aprovação dos cortes de gastos e das reformas que ele pretende propor ao Congresso? E que isso acelere o processo contra a chapa Dilma-Temer no Tribunal Superior Eleitoral? Possível é. Provável? Nem tanto. Vai depender do timing.

O que nos leva de volta à timeline dos deputados, agora com viés oposto. Parlamentares da antiga oposição usaram a prisão de Cunha para repetir que “as instituições estão funcionando”, que a versão de que a Lava Jato só vai atrás do PT é mimimi e que a defesa do ex-presidente, portanto, perdeu seu principal argumento. Nesse raciocínio, Lula seria o próximo em Curitiba.

Prestidigitação política é atividade de alto risco. Judicial, então, é suicida. Todavia, constata-se que – comparado aos desígnios da nova oposição – os da antiga só dependem de uma das seis etapas necessárias para as previsões petistas se confirmarem: a canetada do juiz Moro. Probabilisticamente parece algo menos remoto do que o fim prematuro do governo Temer. Apenas porque tem menos etapas a cumprir.

Todas essas hipóteses são apenas isso, hipóteses, porém. Invertendo a frase de Conan Doyle: se no seu conjunto o homem se torna uma certeza matemática, individualmente, é um quebra-cabeça insolúvel. Ninguém sabe com certeza o que se passa na cabeça do juiz Moro – e muito menos na do seu novo inquilino.

Nem ele. A prisão de Cunha é por tempo indeterminado. O que o ex-deputado pensa hoje pode não ser o mesmo que venha a pensar amanhã, ou daqui a um mês, ou um ano. Marcelo Odebrecht é um que entrou na cela pensando de um jeito e está tentando sair dela justamente porque começou a pensar diferente, a admitir delatar.

É por ter consciência de que qualquer previsão sobre a disposição delatora de Cunha é um chute que a maioria dos deputados federais não usou suas contas no Twitter ou seus perfis no Facebook para fazer crítica, projeção ou um comentário sequer sobre o ex-colega. Melhor não aparecer, não cutucar a memória nem dar ideias ao mais poderoso presidente da Câmara desde Ulysses Guimarães. É o autêntico silêncio dos inocentes.

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