• Correntes populistas impediram ou retardaram atualizações técnicas imprescindíveis, e o resultado foi a necessidade de um tratamento de choque
Tema sensível em qualquer país, por envolver o sustento das pessoas na velhice, a reforma do sistema previdenciário atrai grandes e compreensíveis resistências. Também porque, diante da dinâmica demográfica mundial — envelhecimento médio de uma população em processo de crescente expectativa de vida —, as mudanças são sempre para ampliar o tempo de contribuição dos trabalhadores e conter discrepâncias com a realidade no cálculo dos benefícios. Assunto técnico, baseado em lógica aritmética, mas também carregado de paixões e, portanto, de fácil combustão política, este tipo de reforma é difícil em qualquer democracia. Não seria diferente no Brasil, embora aqui tenha ocorrido uma peculiaridade que terminou forçando, por parte do governo Temer, uma proposta de reforma mais dura.
Os políticos demoraram a atualizar o sistema brasileiro, e nisso foi decisiva a contribuição dos 13 anos no poder do lulopetismo, grupo político de figurino populista. Reconheça-se, porém, que Lula deu sequência a mudanças feitas na era FH na aposentadoria dos servidores públicos, mas só completadas na gestão Dilma.
Ambos, no entanto, Lula e Dilma, não quiseram começar a desativar a bomba-relógio de crescente poder destrutivo do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), o INSS, ao qual estão ligados os trabalhadores da iniciativa privada. Assim, foi mantido o sistema de aposentadoria por tempo de contribuição, razão pela qual a média de idade do aposentado no Brasil é muito baixa, pouco acima dos 50 anos. Como, ainda bem, a expectativa de vida no país já passou dos 70 anos, a pessoa se aposenta, deixa de contribuir para o sistema, e passa, em média, cerca de 20 anos usufruindo o benefício. Como o INSS é um fundo de repartição simples — os contribuintes novos pagam as aposentadorias dos mais velhos —,e a população envelhece, tem-se a fórmula infalível de um enorme desequilíbrio.
Que já existe: de R$ 86 bilhões em 2015, o déficit do INSS escala para R$ 139,2 bilhões este ano e R$ 181,2 bilhões em 2017. Esta curva aponta direto para o céu. É tão grave que o dispêndio com todos os sistemas passa dos 10% do PIB, índice de países desenvolvidos, com população bem mais idosa que a brasileira. Há vários aspectos positivos na proposta, a começar pela inevitável fixação de uma idade mínima, para que o segurado se habilite ao benefício — 65 anos, com um mínimo de 25 anos de contribuição. Como é correto, este parâmetro será atualizado com base nas revisões da expectativa de vida feitas pelo IBGE. Também é acertado fazer uma proposta de uniformização para quase todos e tudo: assalariados do setor privado, servidores públicos, revisão da sistemática de pensões, aposentadoria rural, benefícios sociais (Lei Orgânica da Assistência Social — Loas).
Isso se justifica porque, com a Constituição de 1988, foi delegada ao Estado a responsabilidade isolada de eliminar a pobreza, a miséria, do atendimento universal de saúde, educação. Por óbvio, a longo prazo não daria certo, como não deu.
Mas não será fácil, diante das pressões de grupos organizados. O militares já não entraram na reforma, ficando para 2017. E 24 horas depois de divulgado o projeto, PMs e bombeiros também escaparam. Concessões serão feitas, é praxe em negociações desse tipo. Mas é crucial proteger a lógica da reforma.
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