Sob os efeitos do abalo sísmico provocado pela Operação Lava-Jato, as instituições da República balançam. O Legislativo está agora no centro das atenções, com dezenas de deputados na mira da Justiça, número que será engrossado em mais de uma centena quando forem concluídos os depoimentos dos delatores da Odebrecht. A Presidência, enfraquecida após um impeachment, tem em seu núcleo políticos que podem se transformar em alvos da Lava-Jato. O Judiciário começou esta semana a trincar, com o inesperado episódio da liminar ordenando o afastamento de Renan Calheiros da presidência do Senado.
Depois de ter se tornado réu no Supremo Tribunal Federal, de tentar votar a toque de caixa uma lei contra o abuso de autoridade e preparar outro, contra supersalários - três torpedos endereçados ao Judiciário - não se pode dizer que Renan conte com a simpatia do STF, que irá julgar mais 11 processos contra ele. E não se pode dizer que o ministro Dias Toffoli planejava beneficiá-lo quando, em julgamento já com maioria consolidada, pediu vistas do processo que retira da linha sucessória da Presidência quem seja considerado réu no STF.
Então o destino bateu às portas do Supremo, sob a forma de um pedido de liminar juntando as duas pontas do julgamento - Renan é réu e está na cadeia de sucessão do presidente. O ministro Marco Aurélio concedeu a liminar, sob o argumento de rigor lógico de que, se os dois fatos são verdadeiros, a conclusão é que o político alagoano teria de deixar o comando do Senado. Foi um caminho sem dúvida torto - o de uma decisão monocrática eliminar uma liderança de outro poder, o Legislativo.
Alinhou-se uma cadeia de fatos que costumam andar isolados. Renan, ressabiado desde as manifestações de domingo que o colocaram como alvo, intuiu o interesse do Planalto em desestabilizá-lo - paranoia ou mistificação, não se sabe. Em meio ao tiroteio com o Judiciário que se seguiu, não atendeu a telefonemas do presidente Michel Temer. Fora do Executivo e Legislativo, o STF se dividiu mais uma vez, depois de colocado no centro da crise por uma ação individual de seus ministros que, em seguida, galvanizou velhas divergências, jurídicas e pessoais.
A decisão final, de retirar Renan da linha sucessória e mantê-lo no comando senatorial, foi uma solução de compromisso estranha, que beneficiou o senador e, por decorrência Temer, enquanto Gilmar Mendes, de longe, no exterior, ameaçava pedir o impedimento de Marco Aurélio.
Entre a liminar de Marco Aurélio e a reunião do plenário do Supremo, ocorreu um fato de extrema gravidade. Renan se recusou a cumprir uma decisão do órgão máximo de Justiça no país e até a receber a notificação das mãos de oficial do Judiciário. Qualquer cidadão comum seria colocado atrás das grades por isso. Mas não Renan, que, no final, ficou aonde estava, enquanto Marco Aurélio criticava a "meia sola constitucional" ajambrada pelo STF e o ministro Luis Barroso via no gesto de Renan "crime de desobediência ou golpe de Estado".
Na planície, a interpretação prosaica da decisão do Supremo foi a de que uma pessoa não tem estatura moral ou idoneidade para substituir o presidente da República, mas as têm para presidir o Senado - o que deixa muito mal o Senado, aliás. Depois, o STF, com resmungos, aceitou que a ação legítima de um ministro seu, em nome do Supremo, fosse desrespeitada à luz do dia, sem mais. Ambas atitudes têm um potencial desmoralizador do STF que é inconveniente, especialmente em momentos de crise na República.
É normal e salutar que ministros do STF tenham distintas visões jurídicos e de mundo, mas uma decisão como a de Marco Aurélio não é trivial nem tecnicamente perfeita, além de envolver vitalmente outro Poder. Em questões assim, já passou da hora de o Supremo firmar uma tradição de decisões colegiadas, na qual falem para o público externo com uma só voz, ainda que cheguem às turras no âmbito interno.
Mais sério, porém, é que o Supremo parece estar vergando sob o peso das exigências do foro privilegiado e vacilando sob intensa pressão política. É difícil saber porque é tão lento o andamento dos 8 processos de Renan ligados à Lava-Jato. Hoje o STF tem em mãos um volume limitado de casos. Com mais uma centena a caminho, haverá congestionamento e protelação. Diante do aguçado anseio popular por Justiça, o Supremo seguirá agindo com atraso em julgar políticos que buscarão, como agora, meios de fugir da lei - mesmo que para isso criem crises institucionais.
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