Beirou o grotesco a defesa da presidente Dilma Rousseff, na comissão do impeachment, pelo ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, e pelo advogado Ricardo Lodi Ribeiro, professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Só os muito desinformados podem ter levado a sério o esforço de ambos para isentar a presidente de qualquer crime de responsabilidade. Os fatos essenciais são claros.
Será preciso mudar os dados da contabilidade oficial para apagar os traços das pedaladas fiscais de 2014 e 2015. No fim do ano passado, o governo pagou R$ 72,4 bilhões a bancos públicos, para liquidar dívidas em atraso desde o ano anterior. Antes disso, a Caixa Econômica Federal havia tentado receber na Justiça o dinheiro devido pelo Executivo. Não pode haver dúvida quanto à manobra e à sua qualificação legal. Ao retardar o desembolso dos valores adiantados pelos bancos, o Tesouro se fez financiar por instituições controladas pelo setor público.
Não se tratou de um atraso normal, explicável por um feriado, por um problema burocrático ou por uma rotina definida em calendário. Durante meses e meses, até por mais de um ano, o Tesouro usou o dinheiro retido. Isso é financiamento, uma relação proibida pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Outros governos também cometeram pedaladas, tem repetido em discursos patéticos a presidente da República. Todos, segundo ela, teriam merecido punição. Mas a Lei de Responsabilidade Fiscal só foi aprovada e sancionada no ano 2000 e ela parece desconhecer esse detalhe. Além disso, nada parecido com as pedaladas de seu governo foi registrado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) no governo de seu antecessor imediato.
O professor de Direito convocado para a defesa mostrou um nível de sofisticação comparável ao da presidente Dilma Rousseff. Nenhum dos atos por ela cometidos constitui crime de responsabilidade, disse ele. Mas a Constituição afirma o contrário, quando inclui nessa categoria os atentados à lei orçamentária. A ordem orçamentária, como certamente deve saber qualquer advogado com interesse em finanças públicas, tem vínculos indissolúveis com a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Esse mesmo defensor ainda tentou uma analogia desastrada. Se um arquiteto entrega um projeto e o pagamento é atrasado, disse ele, esse arquiteto tem um direito contra seu cliente, mas o vínculo entre ambos é diferente de uma operação de crédito. O professor parece ter esquecido, nesse caso, um detalhe significativo: o serviço prestado pelo banco oficial ao Tesouro é de natureza financeira. Seria comparável, apenas para efeito didático, ao uso de um cartão ou de um cheque especial. Ficar no vermelho por alguns dias pode até ser permitido, sem caracterização de empréstimo, mas apenas por um período muito curto. O gerente de sua agência poderá, com certeza, informá-lo a respeito do assunto.
O ministro da Fazenda foi igualmente infeliz na tentativa de negar o crime de responsabilidade. Menosprezou o prolongamento – pela demora nos desembolsos – das pedaladas de 2014 até o fim de 2015. Atribuiu ao TCU mudança de entendimento sobre as práticas do Tesouro. A partir dessa mudança, argumentou, o governo se ajustou ao novo critério. Mas o TCU, de fato, apenas cobrou do Executivo a observância da regra já em vigor.
Com as pedaladas, no entanto, o governo fez mais do que se financiar com o dinheiro devido às instituições controladas pelo setor público. Aumentou seus gastos e, ao mesmo tempo, maquiou o resultado fiscal de 2014. Mas foi preciso liquidar o atraso com os bancos até o fim de 2015. Assim, a lambança financeira acabou aparecendo, afinal, no déficit primário de R$ 119,9 bilhões contabilizado no fim do ano.
Finalmente, um detalhe de enorme importância: defensores do governo continuam rejeitando a inclusão, nas acusações, de atos cometidos antes do atual mandato. É uma tese esdrúxula. Se for aceita, o governante poderá cometer desmandos no último ano do primeiro mandato, ficando livre de punição se for reeleito. Não pode ser esse o sentido da lei.
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