• Em carta, dirigente diz que ‘desprezar o ensino é apostar na miséria’
Ludmilla de Lima | O Globo
Com dívidas que hoje já somam R$ 360 milhões, a Uerj passa por momento dramático. Em 2016, o dinheiro repassado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio foi zero, e cerca de 3.500 projetos estão comprometidos. O reitor Ruy Garcia Marques diz que a instituição foi sucateada. Em uma carta divulgada ontem, o reitor e a vice-reitora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Ruy Garcia Marques e Maria Georgina Muniz Washington, acusam o Palácio Guanabara de “desprezar o ensino superior” e “de forçar o fechamento” da instituição. Chamado de “A Uerj e o futuro do Rio de Janeiro”, o documento contrapõe a importância da unidade de ensino superior — 11ª colocada em qualidade entre as 195 universidades brasileiras e a 20ª da América Latina, de acordo com ranking da Times Higher Education de 2016 — com o quadro de abandono no qual se encontra. Eles denunciam um sucateamento por “absoluta falta de visão estratégica”, e, por fim, sem citar o nome do governador Luiz Fernando Pezão, concluem que “a Uerj e o estado são perenes; os governantes, não”.
PESQUISAS PARADAS
A carta recebeu o apoio dos ex-reitores da Uerj Ivo Barbieri, Hésio Cordeiro, Antonio Celso Alves Pereira, Nilcea Freire, Nival Nunes de Almeida e Ricardo Vieiralves de Castro. O texto não cita valores, mas a dívida hoje — incluindo com servidores, cujos salários vêm sendo depositados com atraso e em parcelas — já soma, segundo a reitoria, R$ 360 milhões (o orçamento para 2016 era de R$ 1,1 bilhão). No ano passado, dos R$ 64 milhões necessários ao pagamento de insumos e serviços terceirizados de limpeza, manutenção e vigilância, a universidade afirma ter quitado apenas R$ 14 milhões. Todos os serviços e fornecedores estão com repasses atrasados. A empresa que faz a limpeza está sem receber desde setembro. As aulas estão previstas para recomeçar na terça-feira.
A situação das pesquisas na Uerj também é dramática: em 2016, não houve repasses à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio (Faperj). A previsão era de quase R$ 32 milhões, sendo que, em 2014, a instituição recebeu R$ 42 milhões. Sem dinheiro, afirma o pró-reitor de pós-graduação e pesquisa, Egberto Gaspar de Moura, cerca de 3.500 estudos estão comprometidos. São trabalhos sobre dengue, chicungunha e zika, despoluição da Baía de Guanabara e áreas de risco no Rio, entre outros temas.
Um supercomputador de R$ 5 milhões usado numa pesquisa sobre a origem do universo está parado por causa de um no break quebrado. A organização dos Jogos 2016 avisou ontem que doará o equipamento à Uerj.
— A grande maioria das pesquisas está parada, e o restante anda precariamente — afirma Gaspar de Moura, acrescentando que bolsas da Faperj vêm sendo pagas a pesquisadores, mas com atrasos de até três meses. — Imagine um pós-doutorando, que tem dedicação exclusiva, sem receber?
Sub-reitora de graduação, Tania Carvalho Netto ressalta ainda as condições difíceis do Hospital Universitário Pedro Ernesto (Hupe): de seus 500 leitos, só 92 são usados.
— Em março, o lema da greve era “Uerj resiste”. Mas, com esse quadro de calamidade, como resistir? — questiona Tania.
Na carta, reitor e vice-reitora são contundentes: “desprezar o ensino superior, a pós-graduação e a pesquisa é apostar na miséria, na violência e num futuro sem perspectivas positivas. Forçar o fechamento da Uerj é não pensar no futuro do nosso estado e do nosso país”.
Servidores da Uerj lançaram uma petição on-line no mesmo tom, organizada pelos professores Maria Emilia Prado e Mônica Leite Lessa, na qual o poder público é chamado a assumir a sua responsabilidade sobre o destino da Uerj. O texto destaca que a universidade tem 2.977 docentes, 4.519 funcionários técnico-administrativos especializados e 32.220 estudantes.
A Secretaria estadual de Fazenda diz que os funcionários estatutários vêm recebendo os salários dentro do calendário. Em nota, informou ainda que repassou à Uerj 65% do orçamento de R$ 1,1 bilhão de 2016.
‘RADICALISMO’, DIZ FAZENDA
A Faperj informou, com seu orçamento, prioriza o pagamento de cerca de cinco mil bolsas, já que a maioria tem caráter de subsistência. Já as pesquisas precisam aguardar o aumento da arrecadação para voltarem a receber financiamento. A Secretaria estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação (Secti) divulgou nota rebatendo a carta da reitoria, dizendo que dispensou esforços para manter a instituição funcionando: “Não se pode aceitar o radicalismo apontado, em especial o fechamento da universidade, impedindo que os servidores possam trabalhar, e a incitação à greve, o que é ilegal. Em oito anos, a receita total da universidade pulou de R$ 579 milhões para R$ 1,3 bilhão, sendo que R$ 1,1 bilhão foram oriundos de recursos estaduais. Descontando-se a inflação acumulada no período, houve um crescimento real de quase 100% no orçamento da Uerj. Isso mostra o empenho e compromisso do estado com o ensino superior”.
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