- O Estado de S. Paulo
Donald Trump redefiniu nesta quarta-feira as regras de como tratar a imprensa. Não só para sua gestão, mas, pode-se esperar, para todos os governos a quem servirá de modelo. Não permitiu que o repórter da CNN na Casa Branca lhe fizesse uma pergunta durante sua primeira entrevista coletiva desde eleito, bateu boca e terminou por tachar jornalista e rede de TV de “fake news”. Igualou-os aos sites picaretas de notícias falsas.
O que Trump fez é bem distinto de ignorar as questões espinhosas ou responder coisa diferente do que lhe foi indagado – como políticos fazem desde sempre. O negociante eleito para ser o governante mais poderoso do mundo agora escolhe quem pode e quem não pode fazer perguntas. Ataca publicamente e busca emascular quem publica histórias que não lhe interessam. Não demora, a prática acabará imitada por aprendizes tupiniquins.
A CNN publicara que a inteligência norte-americana havia enviado tanto a Trump quanto a Barack Obama relatório confidencial informando que espiões russos estavam espalhando terem coletado material comprometedor sobre o presidente eleito dos EUA, tanto de cunho pessoal quanto financeiro. Sem conseguir confirmá-las, a CNN não detalhou essas alegações. Mas o BuzzFeed detalhou.
O que a CNN e outros veículos que tiveram acesso ao material, como o New York Times, não publicaram por não terem conseguido verificar com fontes independentes foi que a FSB, herdeira da KGB soviética, engendrou um “kompromat” para chantagear Trump: de ofertas de negócios bons demais para serem legais até a organização de orgias durante as visitas do gringo a Moscou.
Depois que o BuzzFeed colocou a história no ar sem checar, o zelo jornalístico da CNN e do NY Times foi esquecido. Habilmente, Trump e equipe fizeram parecer que todos haviam tratado a notícia com a mesma pressa e falta de cuidado. A narrativa principal deixou de ser o envolvimento de Trump com os russos e passou a ser a leviandade da imprensa e a reação agressiva do presidente eleito. Ele virou o jogo. De títere, passou a machão.
Foi mais um gol nos 7 a 1 que o futuro presidente tem aplicado na imprensa norte-americana (e, por tabela, na do resto do mundo) desde a campanha eleitoral. Produzindo um factoide por dia e tuitando um disparate por hora, Trump tem conseguido manter o controle da pauta: sempre determina qual a história de maior destaque sobre ele próprio naquele dia, naquela hora.
A imprensa tem culpa. Depois que o repórter da CNN foi censurado duplamente pelo presidente eleito, outros jornalistas não fizeram a pergunta que o colega não conseguira fazer. Se fizeram, perguntaram coisas diferentes ao mesmo tempo, permitindo a Trump escolher a que mais lhe interessava.
Assim, a primeira entrevista coletiva de Trump como virtual presidente terminou sem que ele respondesse à questão mais importante: se é fato que, como dizem os relatórios dos arapongas, integrantes de sua campanha eleitoral mantiveram contato com espiões russos que possuíam informações hackeadas de computadores tanto dos democratas quanto dos republicanos.
Tampouco Trump explicou como seu mero afastamento dos próprios negócios evitará conflitos de interesse enquanto é presidente, ou como pretende anular e substituir o “obamacare” em apenas um dia. A primeira exposição de Trump presidente à chuva não foi dourada, mas ele terminou a entrevista mais seco do que começou.
Por outro lado, se metade do relatório sobre as arapongagens russas for verdade, o Kremlin deve estar brindando – junto com um coro de “spin doctors” mundo afora. Alguns gritando: “Saúde!”.
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