quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

A centralidade do município - Merval Pereira

- O Globo

O debate desencadeado pelo ressurgimento da proposta de criação de um ministério da Segurança Pública está levando a que se discuta com mais profundidade o papel dos entes federativos — União, estados e municípios — no combate ao crime organizado.
Para o Instituto Igarapé, um think tank (centro de estudos) independente, dedicado à integração das agendas da Segurança, da Justiça e do Desenvolvimento, a questão da Segurança Pública, tratada como um direito social, começa nos municípios.

Ilona Szabó de Carvalho — cofundadora e diretora-executiva do Instituto Igarapé — diz que “é aí onde vamos virar o jogo, é possível e é barato”. Um ministério ou uma secretaria especial ligada à Presidência da República para tratar do assunto, com poder de propor agendas comuns a órgãos do governo, poderia fazer essa coordenação, independente de problemas que uma ou outra solução traria consigo, como influências políticas e até mesmo a visão do próprio presidente da República.

Como considera que a origem da solução é municipal, o Instituto Igarapé preparou uma cartilha sobre o tema para os prefeitos eleitos ano passado, preocupado com o fato de que não haja nenhum governo municipal que faça esse primeiro trabalho de prevenção.

“O primeiro contato de um adolescente com o sistema de Justiça criminal é nos municípios. E tudo o que a gente sabe que funciona em prevenção é um conceito muito claro: foco nas políticas sociais, nos grupos locais de comportamento de riscos”, afirma Ilona Szabó, salientando que o conceito de “prevenção inteligente”, como a busca ativa de evasão escolar e a prevenção de gravidez adolescente, por exemplo, é o que predomina hoje nos países que estão tendo bons resultados.

A violência no Brasil é um problema extremamente grave, que afeta de maneira profunda o desenvolvimento social, econômico e humano do país. A violência — mundial — está concentrada principalmente nas cidades brasileiras, diz o estudo do Instituto Igarapé, que destaca o fato de o país ter 32 cidades dentre as 50 mais violentas do mundo.

A estimativa é de que os custos sociais da violência brasileira cheguem a 5,4% do PIB. Vista como “um fenômeno multifacetado e multicausal”, a violência, para ser superada, exige a participação de diversos setores da sociedade e dos entes federativos, em uma atuação articulada e integrada.

Mas, dentre esses entes, “a municipalidade é o agente institucional prioritário para promover localmente ações destinadas a reduzir os fatores de risco e aumentar os fatores de proteção que afetam diretamente a incidência do crime e da violência”.

Por isso, o município se encontra em uma situação privilegiada para coordenar e articular a implementação de políticas e programas voltados para prevenir a violência e criminalidade, diz o estudo do Instituto Igarapé, e as políticas mais eficientes são aquelas que dirigem suas ações para a redução de fatores de risco e promoção dos fatores de proteção dos grupos populacionais, dos lugares e dos comportamentos mais suscetíveis à violência.

O Instituto defende que “não se trata apenas de fomentar políticas universais, mas sim de privilegiar ações focalizadas”. Foi com base nesse pensamento que a Agenda Municipal de Segurança Cidadã propõe a estruturação da atuação municipal na prevenção da violência, a partir de quatro eixos prioritários: estabelecimento de estruturas de gestão, financiamento, monitoramento e avaliação da agenda municipal de segurança cidadã; produção e coleta de dados e informações para diagnóstico, monitoramento e avaliação; fortalecimento dos fatores de proteção e redução dos fatores de risco de grupos populacionais, áreas geográficas e comportamentos mais suscetíveis à violência; orientação das ações da Guarda Municipal para a mediação de conflitos e resolução de problemas. Esse último eixo é a base da mudança de visão da atuação da Guarda Municipal do Rio, na prefeitura de Marcelo Crivella.

Para Ilona Szabó, nosso arcabouço jurídico ainda está baseado no conceito de segurança interna, nossas polícias têm normas como “combate ao inimigo”. Na questão da segurança nacional, o inimigo ainda é externo. Ela não tem dúvidas: “os grandes saltos dos países vieram das cidades. Desta vez, se não aproveitarmos a oportunidade para definir o papel de cada ente federativo na Segurança pública, estaremos perdendo uma grande oportunidade”.

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