- O Estado de S. Paulo
Esta quarta-feira trouxe duas surpresas de impacto entrelaçado: o tombo da inflação, maior do que o esperado; e a decisão do Banco Central de derrubar os juros em dose reforçada, maior do que aquela com que contavam os analistas do mercado.
São fatos positivos que podem funcionar como o tranco a que se submete o motor da economia, afogado e sem bateria, para pegar de novo.
Como ficou reconhecido de forma inédita no comunicado divulgado logo após a reunião do Copom, a intenção não era tudo isso. Era reduzir os juros básicos (Selic) em apenas 0,50 ponto porcentual ao ano, para, ao mesmo tempo, passar o sinal de que cortaria 0,75 ponto somente na reunião agendada para 22 de fevereiro. Mas o Banco Central mudou de ideia, aparentemente depois que conferiu o "processo de desinflação mais disseminado" e depois de ter verificado o tamanho do tombo do PIB. A decisão foi de "antecipar o ciclo de distensão da política monetária, permitindo o estabelecimento do novo ritmo de flexibilização". Deixou de dançar bolero e mandou a orquestra atacar um frevo animado.
Desta vez, ao contrário do que vinha fazendo, o Banco Central não deu nenhum aviso anterior de que mudaria a dose, mesmo tendo admitido semanas antes que a inflação está sob controle, em convergência para a meta, que as expectativas estão alinhadas e que a demanda está tão fraca como não se via há anos.
E de fato, a inflação de dezembro ficou alguns degraus abaixo das projeções com que vinha trabalhando a maioria dos analistas. Ficou nos 0,30%, o que perfez uma acumulada de 6,29% em 12 meses (veja o Confira). Essa acumulada, abaixo do teto da meta (que é de 6,5% no ano-calendário), é fato positivo com que também ninguém contava. No fim de novembro, na reunião anterior do Copom, por exemplo, o próprio Banco Central trabalhava com uma inflação, em 2016, de 6,6%.
Os analistas vão agora debater ardorosamente sobre os próximos passos. Seguirá o Banco Central nesse ritmo mais agressivo, como nesta quarta-feira, ou tenderá a dosá-los mais?
Vai depender da reação da economia. O comunicado põe força em três principais riscos de inflação, fatores que poderiam segurar as tesouradas: (1) no alto grau de incerteza do cenário externo - e isso leva o nome de Donald Trump; (2) no comportamento dos tais "componentes mais sensíveis da inflação", que têm a ver com os preços administrados (tarifas reajustadas pelo governo); e (3) nos solavancos que vêm aí em torno do processo das reformas. Faltou dizer que risco tão grande quanto estes é o impacto que poderão produzir, na economia e na política, as tais denúncias premiadas do fim do mundo que deverão ser divulgadas nas próximas semanas.
Tem também de ser perguntado se o tranco vai produzir efeitos, agora esperados, sobre a máquina. Algum efeito vai certamente produzir. Mas é bom não contar demais com isso, porque a política de juros é apenas um instrumento da economia. Vai ser preciso saber mais: até que ponto o governo conseguirá equilibrar as contas públicas; se conseguirá ser bem-sucedido nos novos leilões e contratações de investimentos de infraestrutura; e até que ponto a confiança voltará na atividade econômica.
Mais reajustes
A inflação de novembro foi de 0,18%, a de dezembro, de 0,30% e, de acordo com o que espera o mercado, a de janeiro será quase o dobro disso, 0,58%. Mas essa esticada inevitável de janeiro não significa novo avanço da inflação nem coloca em risco a meta do ano. Deve ser vista como ajuste sazonal. É o mês de grande número de reajustes: mensalidades escolares, tarifas de condução, salários do setor de serviços, etc.
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