terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

À moda Trump, mas nem tanto - Raymundo Costa

- Valor Econômico

Há muita fumaça e pouco fogo na promoção de Franco

Dizem auxiliares diretos de Temer que a "entrevista" do presidente, ontem, no Palácio do Planalto, é o novo padrão da comunicação social, no qual o chefe do governo vai falar mais e se posicionar sobre os assuntos relevantes da conjuntura.

Afirmam que o presidente vai falar sempre "para definir as regras e defender o que for necessário para a retomada do crescimento econômico". A ideia é que o governo precisa "trabalhar, mobilizar toda a sua energia para as questões econômicas capazes de produzirem aumento do emprego e renda".

Ontem o assunto foi a Lava-Jato, diante de notícias de que o governo articula uma operação-abafa. O presidente precisava vir a público e "defender a continuidade da Lava-Jato, como procedeu no caso do mensalão, mas sem perder de vista que a tarefa do executivo é governar, tirar o Brasil da maior crise econômica da nossa história".

Há meses auxiliares de Temer discutem uma nova forma de o presidente se comunicar. A intervenção no debate de assuntos quentes da conjuntura seria uma tendência mundial, exigência dos novos tempos, quando a rápida propagação de notícias requer o posicionamento do presidente sobre assuntos que mobilizam a sociedade. Diretamente ou por outros meios, como as redes sociais. O porta-voz só já não bastaria.

Nessas discussões, o estilo do presidente de Donald Trump entrou na roda. Mas não se pensa em nada parecido às suas intervenções no Twitter para Temer. Longe disso. As redes sociais devem sim ser usadas, "se necessário" e com muito mais parcimônia.

Entre os auxiliares que discutiram a comunicação do governo antes das recentes mudanças na configuração do Planalto está Moreira Franco, atualmente na Secretaria-Geral da Presidência, o sujeito não tão oculto da primeira manifestação presidencial de ontem. Não por acaso, o presidente falou sobre a situação no governo dos ministros citados na Lava-Jato, antes de o ministro Celso de Mello anunciar sua decisão sobre o pedido de afastamento de Moreira do cargo.

Bem ou mal, Temer estabeleceu um critério para a permanência ou demissão dos ministros delatados na Lava-Jato. Grosso modo, sai apenas quem virar réu. Não basta ser citado por um delator, nem a denúncia ser oferecida pelo Ministério Público ao Supremo, caso em que o ministro em questão será afastado temporariamente. Como não respondeu a perguntas, o presidente deixou dúvidas no ar.

Uma delas diz respeito a ministros ou eventuais candidatos a ministro processados por outros motivos. O líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros, por exemplo, já está indiciado em inquérito da Lava-Jato, o que não bastaria para impedi-lo de ser ministro de Temer. Mas também já é réu em um processo que não tem origem nas investigações de Curitiba. Poderia ser ministro?

A condição de mencionado nas delações, de fato, não tira da pessoa nenhum direito. Para apresentar uma denúncia o Ministério Público analisa se a delação tem outros elementos de prova. Há um longo caminho até o indiciamento. Se a pessoa se torna réu, evidentemente é um inconveniente para o governo, deve sair mesmo que não venha a ser mais tarde condenado.

O Supremo Tribunal Federal não aceita denúncias levianamente, o que é raro mesmo nas instâncias inferiores. No caso de Moreira Franco há muita fumaça e pouco fogo. Se for denunciado - e afastado do cargo -, perde imediatamente o foro privilegiado. O ministro sai e o STF remete os autos para o juiz de primeira instância.

O foro de ministros sem mandato parlamentar não parece ser o verdadeiro problema. O grande instrumento da impunidade é o foro privilegiado de deputados e senadores. O ministro sem mandato que é denunciado sai e é julgado na primeira instância; já o parlamentar não perde o privilégio. Só quando expira o mandato. E antes disso ainda pode ser candidato novamente, a menos que seja condenado por um colegiado e cair na Lei da Ficha Limpa.

Para efeito de raciocínio, aceitando-se que o Supremo deva efetivamente julgar algo em torno de 50 parlamentares, entre os mais de uma centena dos citados nas delações, os processos só estarão em condições de ser julgados em dez anos ou mais. Isso se um bom numero de juízes-auxiliares for chamado para ajudar na empreitada. A ameaça à Lava-Jato mora ao lado, bem ao lado

Temer poderia ter esclarecido muitas dúvidas sobre suas posições, não apenas sobre a Lava-Jato, se não tivesse adotado o tom imperial de Dilma Rousseff, sem direito a perguntas. Poderia até ter se antecipado a um tema que vai incomodar seu governo nos próximos dias: censura!

Tiroteio política x economia
O aumento da tensão entre a área política do governo e a equipe econômica é mais visível no Congresso. Na semana passada, por exemplo, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), fechou o acordo em torno do texto a ser apresentado pelo relator Alexandre Baldy (PTN-GO) que permitirá a abertura de uma segunda rodada da repatriação. Além dos deputados, participaram da reunião advogados de clientes interessados na matéria. Mas nenhum representante do Ministério da Fazenda ou da Secretaria da Receita Federal, partes interessadas no texto, esteve presente. O acordo em curso na Câmara tem o pressuposto da sanção do presidente da República, Michel Temer. Também não é a primeira vez que a área econômica sente-se excluída das negociações parlamentares, principalmente quando se trata de fazer bondades na área tributária.

Déficits gêmeos
Registro feito no Palácio do Planalto: o déficit das contas públicas bateu em R$ 150 bilhões; o da Previdência, em R$ 147 bilhões. Ou seja, o déficit seria administrável, não fosse o buraco da Previdência. São déficits gêmeos. É argumento a ser usado em favor da reforma previdenciária, que a cada dia parece de mais difícil aprovação pelo Congresso que a reforma trabalhista.

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