Vandson Lima | Valor Econômico
BRASÍLIA - Uma ampla negociação possibilitou ontem a aprovação, no Senado, do projeto que atualiza a legislação e impõe penas mais duras ao crime de abuso de autoridade.
Na mais importante das mudanças feitas no parecer, o relator Roberto Requião (PMDB-PR) acatou alteração pedida por magistrados no trecho que trata da não-criminalização da divergência de interpretação - o chamado crime de hermenêutica.
Antes da mudança, o texto estabelecia que "a divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas não configura, por si só, abuso de autoridade", mas complementava que esta divergência deveria ser "necessariamente razoável e fundamentada". Para autoridades do Judiciário, a expressão "necessariamente razoável e fundamentada" abriria uma brecha para punir juízes cujas decisões venham a ser revistas em outras instâncias. Acabou, por fim, retirada da proposta.
Em outra mudança, Requião acatou sugestão do procurador-geral da República, Rodrigo Janot. O artigo 3 prevê agora que os crimes de abuso poderão ser alvo de ação privada se a ação penal pública não for proposta dentro do prazo. O ofendido, no entanto, terá de exercer esse direito nos seis meses seguintes. "Janot enviou-me por e-mail a sugestão. Viabilizamos a possibilidade da ação privada, mas com o prazo, para não sobrecarregar o Judiciário", justificou o relator durante a votação.
Reuniões com as principais lideranças da Casa foram conduzidas até a madrugada, horas antes da votação, para ajustar os pontos mais sensíveis do texto, inclusive com consultas à Procuradoria-Geral da República.
Um acordo para sinalizar com o fim do foro privilegiado, alvo de proposta de emenda constitucional (ver matéria ao lado) foi feito para contrabalancear o impacto junto à opinião pública do projeto sobre abuso.
O texto foi aprovado por unanimidade na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e, horas depois, confirmado em plenário por 54 votos a 19. Agora, segue para a Câmara dos Deputados. Autor original da proposta, o líder do PMDB, Renan Calheiros (AL) acompanhou toda a discussão da mesa da presidência da CCJ.
Presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE) geriu as tratativas com líderes de PMDB, PSDB, PT e PP e outros, para chegar a um entendimento. "Fizemos uma intensa conversa, até duas ou três da manhã, com vários partidos, vários senadores e o pessoal da PGR. Buscamos fazer uma conciliação", relatou.
Apesar de ceder em nome do acordo, Requião bateu duro nas autoridades do Judiciário, a quem acusou de não querer seguir qualquer regra. "Que são os juízes, auxiliares de Deus? Interpretam a vontade do Senhor, sem nenhuma observação ao texto legal?", questionou. Ao falar de eventuais temores com a nova lei, Requião citou, em tom de crítica, o juiz Sergio Moro, responsável pela Lava-Jato em primeira instância. "Serão os juízes que julgarão eventual abuso. Estaria o juiz Moro então com medo de ser julgado por seus pares?".
Líder da oposição, Humberto Costa (PE) também criticou Moro veladamente, referindo-se a uma decisão do juiz contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para justificar a necessidade de uma nova lei de abuso de autoridade. "É aceitável que um juiz, seja ele quem for, queira obrigar um réu ou investigado a acompanhar todos os depoimentos das testemunhas que ele propõe?", apontou. "Essa lei não é para acabar com a Lava-Jato, é para dar direito a quem é diuturnamente desrespeitado pelo abuso de autoridades".
Entre os que se mantiveram contrários, apesar das mudanças, Cristovam Buarque (PPS-DF) disse que o Senado está sob suspeita para analisar matéria sobre o tema, pois conta com 24 investigados na Lava-Jato. "Nenhum de nós está livre de aparecer em uma delação. Então, votar esse projeto é legislar em causa própria", argumentou.
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