"Ganhar uma eleição com Doria não é o que a história do partido deseja. Ele não representa essa história"
Por Fernando Taquari | Valor Econômico
SÃO PAULO - Aos 79 anos, Alberto Goldman completa 46 anos de vida pública em 2017. Com passagens neste período por cargos no Executivo e no Legislativo, o ex-governador paulista passou incólume pela onda de denúncias que varreu o mundo político nas últimas semanas, o que não o impediu de criticar a força-tarefa da Lava-Jato.
Em entrevista ao Valor, Goldman, que é o primeiro vice-presidente nacional do PSDB, disse que o Ministério Público "misturou tudo no mesmo saco" ao permitir a divulgação de delações sem uma avaliação aprofundada. Essa ação, segundo ele, destrói reputações, como a do senador José Serra (SP), de quem é um aliado histórico, e do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, de quem se reaproximou recentemente, e abriu espaço para o que chama de " populismo", representado no Brasil, em sua opinião, pelo prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB).
Goldman classifica como oportunismo o entusiasmo de parte dos tucanos com uma eventual candidatura presidencial do prefeito, que considera "tomado" pela ideia de concorrer ao Planalto em 2018. Por isso, diz, teria transformado a administração num teatro. O ex-governador apoiou um adversário de Doria no processo de escolha do candidato do PSDB nas eleições do ano passado e combateu sua candidatura durante o processo eleitoral, o que o tornou alvo de uma representação no Conselho de Ética do partido, apresentada pelos diretórios estadual e municipal do PSDB. A seguir os principais trechos da entrevista:
Valor: Como o PSDB deve proceder em relação aos tucanos envolvidos nas delações da Odebrecht?
Alberto Goldman : Primeiro, devemos dar o direito de defesa. Se o partido identificar de forma visível a existência de crime, deve fazer um julgamento partidário e afastar quem quer que seja.
Valor: O ex-presidente FHC disse que era preciso fazer uma distinção entre caixa dois e enriquecimento ilícito. O senhor concorda?
Goldman: O Ministério Público foi fundamental para desvendar a corrupção. Ao mesmo tempo foi incapaz de separar uma coisa da outra. Não fez o seu papel ao permitir a divulgação das delações soltas, sem nenhuma avaliação ou estudo aprofundado do que representa cada acusação. Misturaram tudo no mesmo saco e falaram que eram todos iguais.
Valor: Qual é a saída para essa crise política?
Goldman: Não tem outro jeito, a não ser levar adiante as investigações, e durante as investigações, ir separando uma coisa da outra. Aqueles que tiverem uma responsabilidade comprovada vão ter que pagar por ela. Aqueles que não tiveram vão ter que sair. De todo modo, o mal já está feito.
Valor: Por quê?
Goldman: Destruíram décadas de histórias e reputações de figuras como Serra, Alckmin e Aloysio [Nunes]. Essa destruição abre espaço para o populismo. É daí que nascem os Jair Bolsonaros e João Dorias da vida e as teses de que os políticos não prestam e os empresários são purinhos.
Valor: O senhor foi vice-governador na gestão de José Serra em São Paulo (2007-2010). Considera grave a situação do senador?
Goldman: Não me parece. Não posso afirmar que alguém de segundo escalão, ou um diretor aqui ou ali, não tenha feito qualquer trambique. Isso é impossível dizer. A nível dos secretários e do Serra não há nada. A mesma coisa com o Geraldo. Os dois não têm luxo e moram no mesmo lugar a vida inteira. São caras simples que trabalham o dia inteiro.
Valor: No caso do Serra as acusações extrapolam o caixa dois.
Goldman: No caso da linha Sul do Rodoanel, a licitação já tinha sido feita quando chegamos ao governo e a obra já tinha sido iniciada. As empresas tinham recebido a primeira parcela. Serra, por razões dele, mandou rever os contratos. Saiu-se de um sistema de preços unitários, para preços globais, menos afeito a aditivos.
Valor: Os delatores dizem que Paulo Preto, ex-diretor da Dersa, recebia 0,75% dos contratos do Rodoanel para repassar ao PSDB.
Goldman: Nunca vi 0,75% de propina. Recebeu por quê, se os preços diminuíram e os contratos foram feitos de forma vantajosa para o Estado? O caso foi parar no Tribunal de Contas da União (TCU). O resultado final é favorável. O parecer elogia as atitudes do governo, pelos preços menores do que estavam previstos. Cadê o elemento de prova de que Paulo Preto recebeu 0,75%? Mas há outras contradições.
Valor: Quais?
Goldman: Fala-se em episódios de propina para Serra em contratos do Metrô em 2004 e 2005. Por quê ninguém questiona que Serra, em 2004 e 2005, era candidato e prefeito de São Paulo, respectivamente?
Valor: O senhor tem sido um crítico do prefeito João Doria desde as prévias no PSDB para a escolha do candidato tucano na capital paulista em 2016. Como avalia o entusiasmo de parte do partido com uma candidatura dele à Presidência em 2018?
Goldman: Muitos tucanos pensam nele como solução para ganhar a eleição. Todos os partidos são heterogêneos e o PSDB não é diferente. Tem um agrupamento de pessoas que não tem afinidade com o programa partidário. Estão no PSDB porque o momento é adequado para eles. É um oportunismo natural. Aqueles que pensam no partido, na sociedade e na social-democracia, pensam diferente. Sabem que esse cara [Doria] não tem o perfil. A ascensão dele não é um fenômeno brasileiro. Esse fenômeno aconteceu nos EUA e acontece em menor grau na França. Emmanuel Macron [candidato a presidente ] é uma figura nova, de centro e liberal, sem manchas. Só que ele foi ministro da Economia e criou um partido. Além disso, respeita as instituições democráticas. O mesmo não acontece com o Doria.
Valor: Por quê diz isso?
Goldman: Doria pega um grafiteiro e o transforma num grande inimigo sem a menor necessidade. Cria palanques um atrás do outro, o que é contraditório para quem foi eleito com um discurso de negação da política.
Valor: Como o senhor avalia a gestão de Doria na prefeitura decorridos quase cinco meses?
Goldman: Não consigo. Fora todo o teatro, o resto não dá para ver ainda. Mesmo coisas que seriam boas, quando você vai mais ao fundo, não sabe a resposta. A prefeitura diz que zerou as filas dos exames. Na realidade, acabou a fila de dezembro, mas qual é a fila hoje ou destes quatro meses de administração? As doações junto ao setor privado representam 0,5% num orçamento de R$ 55 bilhões, conforme levantamento de uma ONG. O que as empresas dão é simbólico, mas é gasto de pinga. Não é o setor privado dando um tostão aqui ou ali que vai resolver os problemas da cidade. Aliás, o orçamento não permite a ele realizar grandes coisas. Como não tem dinheiro para fazer muita coisa concretamente, está fazendo festa.
Valor: Como assim?
Goldman: A dedicação dele não está para a prefeitura. Ele se dedica 24 horas por dia à imagem. Seus gestos são em função da repercussão na mídia. Ele usa a administração para ganhar visibilidade e fará este teatro até o dia que em que deixar a prefeitura para ser candidato.
Valor: O senhor acredita que Doria tem intenção de concorrer a presidente, a despeito das declarações de apoio a Alckmin?
Goldman: Ele está absolutamente tomado por isso. Acho que na cabeça dele passa a ideia de que é agora ou nunca. Agora, ganhar uma eleição com uma figura com este perfil não é o que a história do partido deseja. Ele não representa essa história, não representa nem o Alckmin, que não consegue seguir esse ritmo espalhafatoso.
Valor: O senhor acha que o governador está arrependido em ter apadrinhado Doria?
Goldman: Ele não vai dar o braço a torcer ou falar isso publicamente, mas imagino que deve estar pensando o que 'eu ajudei a criar'. Eu o alertei. Escrevi um e-mail a ele em janeiro de 2016 em que criticava esse discurso do Doria, de que era gestor, não político. Escrevi que nós, eu, ele e outros, nos dedicamos integralmente à política e que por isso deveríamos ser louvados, e não tratados daquele jeito. Que as críticas também eram direcionadas ao Geraldo, que virou político quando estudante.
Valor: Como anda a sua relação com o governador?
Goldman: Estávamos afastados desde que eu fui destronado do conselho da Sabesp porque não quis apoiar Doria e entrei com uma ação pela compra de votos na prévia. Depois desse afastamento, fazia um ano que não conversávamos. Acho que foi um ato de retaliação inaceitável. Mas voltamos a conversar. Não sei se é porque escrevi a favor dele nos meus posts, mas o fato é que ele pediu que eu fosse conversar com ele. Fui lá no sábado.
Valor: Sobre o que trataram?
Goldman: Conversamos sobre o país. Tentei puxar a conversar sobre o meu alerta em relação ao Doria, mas ele escapuliu. Não defendeu, nem o atacou. Ele ouviu o que eu falava sem se manifestar.
Valor: Quem deve ser o candidato do PSDB a presidente em 2018?
Goldman: Não sei dizer. Tem muitas interrogações. Alckmin, Serra e Aécio [Neves] estão abalados pelas denúncias, o que não quer dizer que estão fora do páreo. Se será outra alternativa, tampouco há como saber agora. O que eu acho importante é que a alternativa seja alguém com história na política Você não faz democracia sem os agentes políticos.
Valor: E as prévias?
Goldman: Tenho uma visão de prévia negativa. Em 1996, fui pretenso candidato a prefeito de São Paulo pelo PMDB. Disputei prévia contra o [João] Leiva. Perdi por 16 votos. No mesmo dia constatou-se uma enorme fraude. O juiz mandou cancelar o resultado. Minha percepção piorou em 2016. Penso que se tiver disputa interna tem que ser na convenção.
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