- O Globo
Joesley Batista pinta-se como uma pessoa que nem tinha noção exata de que era parte de uma organização criminosa, que foi chantageado por políticos federais e estaduais, e que é “um operário”. “É muito duro trabalhar no Brasil”, diz. Pelo visto não lhe basta a imunidade penal, ele quer convencer o país de que é quase inocente, uma vítima do sistema, um “refém de dois presidiários”.
Na entrevista concedida por ele à “Época”, foram feitas muitas e boas perguntas. Suas respostas, contudo, entraram em conflito com a realidade. “Infelizmente tivemos que nos relacionar, ao longo desses anos, com diversas dessas organizações criminosas”, diz. E completa afirmando que até a colaboração premiada nem sabia que fazia parte ou estava lidando com organização criminosa. Joesley representou o papel do ingênuo. Ficou irreconhecível.
Suas afirmações de que o presidente Temer lhe pediu dinheiro em diversas ocasiões complicam ainda mais a vida de Temer. A gravação que ele fez mostra que o presidente o atendeu de forma inteiramente suspeita para uma conversa cheia de linguagem cifrada e que, até por isso, revelava a intimidade entre eles.
Seu autorretrato é piedoso: “Nós somos operários, somos da produção, somos da fábrica. Produzimos. Meu pai e minha mãe, minha família é feita disso.” Afirmou também que já era o maior grupo do setor de carne do Brasil quando a propina começou e portanto seu grupo não cresceu por causa da corrupção.
O pai de Joesley fez uma admirável história de sucesso empresarial, pegando um açougue nos anos 1950 e transformando-o numa empresa enorme. Mas qualquer pessoa que acompanha a evolução dos negócios sabe que o desempenho da companhia deu saltos ornamentais durante o governo do PT. Aqui neste espaço, várias vezes, escrevi sobre o crescimento do grupo através de benefícios inaceitáveis com o dinheiro público. Transformou-se de maior do Brasil em maior do mundo graças a todas aquelas operações com que foi beneficiado no BNDES.
Aliás, ele diz que bastava uma palavra de Guido Mantega que um empréstimo, ou negócio com o banco, era feito ou não. Isso faz do economista Luciano Coutinho um acrítico cumpridor de ordens. O banco nem é subordinado hierarquicamente ao Ministério da Fazenda. Houve compras no exterior em que a família não desembolsou um tostão. Todo o dinheiro foi do banco público. Em troca, em um momento ele resgatou o BNDES de encrenca. O banco havia virado sócio e emprestado para o frigorífico Independência, que faliu em seguida. O JBS o comprou tempos depois e tirou o banco da situação complicada.
Joesley afirmou que “Lula e o PT institucionalizaram a corrupção” e que começou a pagar propina “no governo do PT”, mas garantiu que com Lula só teve “conversas republicanas”. Se ele estava se sentindo achacado, por que não aproveitou uma dessas conversas republicanas para contar para o então presidente como era a república? Da prisão, Eduardo Cunha socorreu a memória de Joesley Batista lembrando de encontros com Lula aos quais ele não se referiu.
Perguntado sobre a razão de delatar agora, ele afirma: “Iríamos esperar o quê? Ser presos, a empresa quebrar, causar desemprego, dar prejuízo ao BNDES, à Caixa, ao mercado de capitais, aos credores?” Bom, ele deu prejuízo a todos esses seus parceiros. Sobre as operações de especulação com dólar e com ações, antes da divulgação da delação, ele respondeu: “É público: os bancos estão restringindo o crédito. Eu preciso de dinheiro.” Na verdade, a dificuldade do crédito passou a ser depois da divulgação da sua delação.
Ao falar da operação com o FI-FGTS, ele disse: “E foi aí que Lúcio Funaro entrou em minha vida.” Mas entrou para ficar. Joesley viajou com ele da Europa para o Caribe em seu avião particular. Depois, contratou os serviços de Lúcio para fazer a “mediação” em uma briga que teve com o grupo Bertin. Curiosa contratação, porque Lúcio, que costuma ameaçar de morte seus adversários, nunca foi conhecido como um pacificador. A entrevista é extensa e um belo trabalho jornalístico. Em cada resposta o que se vê, entretanto, é a esperteza de Joesley que acusa e se protege com versões inverossímeis.
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