Após o início da Operação Lava-Jato, a política brasileira tem produzido reviravoltas inesperadas, uma atrás da outra. A mais recente, e que pode complicar a permanência de Michel Temer na Presidência da República, está prestes a ser dada pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot. A PGR vai oferecer a primeira boia de salvação aos congressistas, que temiam punições duras e indiscriminadas. Deputados e senadores que usaram caixa 2 exclusivo, isto é, não embolsaram o dinheiro nem deram contrapartidas aos financiadores, poderão antecipar pena alternativa e se verem livres da classificação de ficha suja, que os tornaria inelegíveis.
Inesperada, a intenção de Janot pode buscar vários objetivos ao mesmo tempo, assim como provocar críticas de vários setores. Dada a dimensão do envolvimento em ilegalidades de deputados e senadores descobertas pela Operação Lava-Jato, o Congresso ameaçou várias vezes enfrentar o opróbrio e aprovar um projeto de lei que "tipificasse" o caixa 2, estabelecendo assim um marco temporal que apagasse os crimes do passado. O projeto não foi em frente seja por dúvidas sobre sua eficácia - ele poderia ser bombardeado na Justiça -, como pela reação extremamente negativa dos eleitores.
A solução de Janot é diferente. Ela prescinde da jabuticaba legislativa da tipificação, até porque o caixa 2 é crime delineado há tempos no artigo 350 do Código Penal, como também ratifica que o artigo não só está em vigor como será usado, mas com discricionaridade - e até mesmo complacência - pelo Ministério Público. A ideia é que os parlamentares que não tenham sido condenados em outros processos e que não usaram dinheiro de campanha em benefício próprio ou de outrem (o interesse dos financiadores) possam ter penas alternativas antecipadas.
O artigo 350 prevê reclusão de 1 a 4 anos, mas os políticos que forem condenados à pena mínima poderiam obter a "suspensão condicional do processo", previsto pelo artigo 89 da lei 9099. Estariam sujeitos a multas, trabalho comunitário e outras exigências por até 4 anos. Cumpridos todos os requisitos, o acusado mantém a ficha limpa. Calcula-se que quase a metade dos 98 deputados investigados no âmbito do STF, por foro privilegiado, se qualificariam ao benefício (Valor, ontem).
Após atingirem a cúpula dos principais partidos e chegar à Presidência da República, tanto Janot quanto a Operação Lava-Jato não são benquistos no Legislativo. Com baixa popularidade e com seu círculo íntimo alvejado por denúncias, Michel Temer teve seu apoio político mantido em grande parte porque a ameaça de um mesmo e temido fim - a prisão - colocava em um estado de solidariedade informal o Executivo e Legislativo. Essa aliança ameaçava tornar-se uma reação do Congresso, unindo direita, esquerda e centro contra a PGR e o MP. Alguns membros do STF, com amplo apoio, já voltaram suas baterias contra Janot.
Janot deve encaminhar denúncias contra o presidente Temer até o fim do mês ao STF, com base nas delações de Joesley Batista e seus executivos. E, se levar à prática o que pretende, abre brecha importante, e talvez decisiva, na armadura construída no Congresso para evitar o afastamento de Temer. O STF precisa de autorização do Legislativo para processá-lo e, para evitar isso, basta que 171 congressistas se oponham. Ao propor separar a "banda podre" do Congresso e escalonar punições - algo que não estava no ar -, o procurador pode dar motivos pelos quais um presidente envolvido em volume crescente de suspeitas talvez não deva ser apoiado e cindir o bloco de lealdades interessadas.
A ação de Janot não é isenta de riscos. O procurador provocou estupefação geral ao fazer um acordo de leniência com Joesley Batista que o livra de punições nos casos apurados e foi considerado um prêmio em relação à extensão dos malfeitos praticados pelos Batista. Da mesma forma, ressurge o risco moral que envolve a adoção de penas pouco severas ao caixa 2. Como não era punido, o crime foi praticado por centenas de políticos em toda a federação. Algum grau de distinção dos ilícitos teria de ser feita em algum momento, sob pena de o Congresso ficar quase vazio. Janot quer que haja julgamento e punição pelo caixa 2 - o que deveria ser praxe -, mas ao não colocar em questão a elegibilidade e abrandar punições pode até estimular a continuidade da prática no futuro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário