terça-feira, 29 de maio de 2018

Governo faz todas as concessões e greve não acaba: Editorial | Valor Econômico

O governo fez concessões contínuas aos caminhoneiros e empresas de transportes, mas as estradas não foram desobstruídas, o combustível não fluiu e a falta de abastecimento se aprofundou e está à beira do colapso, enquanto que os serviços essenciais se mantêm de forma muito precária. O ministro Eliseu Padilha disse que o Planalto "venceu" na negociação dos caminhoneiros, mas duas ou três novas vitórias como essa serão capazes de colocar o governo abaixo. O presidente Michel Temer, no domingo à noite, chegou a usar o verbo avançar para listar mais cinco reivindicações dos caminhoneiros que haviam sido aceitas, sem que os caminhões tivessem se movido um centímetro de onde estavam - foi um recuo em toda a linha.

Há várias consequências do episódio que deixam inquietações graves sobre o futuro. Por arrogância ou incompetência, o governo foi surpreendido pela extensão e persistência da paralisação, coadjuvada pelas empresas de transportes. Os interlocutores oficiais fizeram uma primeira reunião, colocando na mesa o que já estariam dispostos a oferecer, com contrapartidas fracas - a saber, o movimento era ilegal e o início do diálogo deveria pressupor o fim da greve, que deveria ser desmobilizada, se necessário com os recursos de dissuasão de que dispõe o Estado.

E, por desinformação ou despreparo, após o Planalto afiançar que haveria desconto no diesel e que as empresas do setor não seriam atingidas pela reoneração a caminho da votação, descobriu-se que as entidades que avalizaram as propostas não eram representativas nem garantiram sua aceitação por parte do movimento, que manteve-se tão ou mais forte após a reunião da quinta-feira.

O Planalto pôs-se então a fazer ameaças que não se tornaram realidade. Os órgãos de segurança, que ganharam na sexta-feira o direito de requisitar os caminhões, foram vistos nas estradas mais a organizar a fila e garantir o trânsito desimpedido do que a retirar os caminhoneiros dali. Enquanto isso, com a escassez ameaçando os centros urbanos, os hospitais, a oferta de comida, o policiamento e as escolas, os grevistas continuavam a apresentar mais reivindicações, com o governo e os cidadãos praticamente encurralados.

Os recuos sem reação, ou com pífia resposta, mostraram a fraqueza do governo, são um estímulo a grupos de pressão para novas investidas em direção de seus interesses. Vans escolares e motoqueiros protestaram ontem em São Paulo e o tratamento desigual entre o diesel e outros combustíveis, que subiram tanto ou mais, dá espaço a mais manifestações de descontentamento.

Fraco e desprestigiado, o governo Temer saiu exangue da paralisação, que ainda não terminou. Abriu-se também um flanco para que uma oposição desmoralizada, que aplicou uma política nociva de precificação política dos combustíveis e arruinou a Petrobras, além de ajudar a corroê-la por dentro com uma pilhagem de grande envergadura, se reanimasse.

Os sindicatos de petroleiros se sentiram estimulados a realizar uma greve irresponsável e oportunista, que poderá prolongar a agonia da normalização do abastecimento de combustíveis no país. Não se viu nenhuma manifestação digna de nota de entidades da categoria sobre o escândalo bilionário do petrolão. As reivindicações são puramente políticas: saída de Pedro Parente da direção da empresa, fim da desmobilização de ativos e redução dos preços dos combustíveis.

As soluções para os caminhoneiros, feitas às pressas, têm problemas, como, por exemplo, a tabela de preço mínimo do frete. O Tesouro, em penúria, ganhará uma conta extra direta avaliada em R$ 10 bilhões em subsídios e perda de receitas com PIS-Cofins e Cide. Haverá mudança na regra de preços da Petrobras, que em dois meses passará a ser mensal, com a criação de uma conta de compensação com o Tesouro. É um arranjo falho porque não poderá ser estendido aos demais combustíveis, como seria o ideal em uma política de preços, sem elevar em demasia a conta para a União.

A proposta da Petrobras, de impostos flexíveis, inspirada no modelo europeu, é uma solução boa e geral para a política de preços. Exige disposição dos Estados em mexer no ICMS, mas com ela se caminha para abandonar gradualmente os remendos deixados como resposta à greve.

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