Grupos anticorrupção se apropriam de bordões da esquerda para defender seus interesses
Ana Luiza Albuquerque | Folha de S. Paulo
CURITIBA - "A imprensa fez um acordo na última sexta para acabar com a paralisação dos caminhoneiros. Mas nós, do jornalismo independente, estamos convocando o Brasil para ir às ruas e gritar 'Fora, Temer'."
Este tipo de discurso pode parecer antigo para o leitor, que já deve tê-lo ouvido, com pequenas alterações, da boca de petistas e de membros da mídia alternativa de esquerda. No entanto, no Brasil pré-eleitoral de maio de 2018, é a direita quem se apropria das palavras de ordem.
O grito saiu do alto de um carro de som do movimento Acampamento Lava Jato, neste domingo (27), no centro de Curitiba (PR). "Quem diria, hein... Até os coxinhas. Fora, Temer!", prosseguiu um dos líderes. Ao seu lado, um caminhoneiro identificado como "Dedeco" também marcou presença no ato, cujo objetivo foi apoiar a paralisação da categoria e pedir "a saída dos corruptos".
Naquele dia, parte do grupo concentrou-se em frente à Universidade Federal do Paraná, na praça Santos Andrade, reduto de protestos progressistas e de esquerda. Caminharam até a praça Osório, a cerca de 1,5 km, sob buzinaço e gritos de intervenção militar.
Enquanto isso, a esquerda, com dificuldade de capitalizar sobre o protesto dos caminhoneiros, divide opiniões nas redes sociais. Alguns atribuem o movimento unicamente aos "patrões", negando se tratar de uma iniciativa de trabalhadores; outros defendem a necessidade de disputar com a direita a narrativa das manifestações.
O filósofo Renato Janine Ribeiro, ex-ministro da Educação de Dilma Rousseff (PT), diz acreditar que a segunda alternativa não poderia ter funcionado. "A rigor, não tinha como. São movimentos inesperados, que já surgiram com a pauta fácil da intervenção militar", afirma à Folha.
Janine alerta para um problema "gigantesco" da falta de cultura política. Segundo ele, os brasileiros têm pouca noção dos conceitos de esquerda, direita e globalização, o que reduz o pensamento apenas à ótica do combate à corrupção.
"A sociedade não consegue acompanhar uma discussão nesse sentido. A solução fácil, que é denunciar o banditismo, é a que se adota. Hoje, o banditismo é do [Michel] Temer. Há três anos, era da Dilma e do PT. A pauta muito vinculada à corrupção acaba sendo ruim para o país. A gente fica com muita dificuldade de pensar o que pode ser feito."
ATOS DE 2013
O ex-ministro traça um paralelo com as manifestações de junho de 2013. Quase cinco anos depois, segundo ele, o país volta a mergulhar em protestos inesperados, com lideranças pouco identificáveis.
Janine avalia que os atos de 2013 partiram de uma esquerda difusa e que, posteriormente, foram apropriados pela direita, substituindo a pauta dos serviços públicos pela anticorrupção. "Agora, de fato, a coisa já começa por uma direita difusa... Uma ideologia de extrema-direita muito forte."
Jair Bolsonaro (PSL), candidato presidencial da extrema-direita, é identificado pelo ex-ministro como um "pescador de águas turvas". "Apesar de estar atacando a direita, de certa forma deixa uma ponte com ela em nome do combate à esquerda."
Janine refere-se a um vídeo em que o deputado aparece no banco do carona de um carro, transmitindo uma mensagem de apoio aos caminhoneiros. Na gravação, o presidenciável diz que é "mau-caratismo" acompanhar o preço do petróleo de acordo com o mercado internacional. "O que vem de fora de petróleo é em torno de 20%. A grande quantidade é extraída aqui."
No vídeo, Bolsonaro critica o governo, mas não cita Temer ou Pedro Parente, presidente da Petrobras. Ele identifica apenas atores da esquerda como culpados pelo bloqueio das rodovias: "Onde, por ventura, esteja havendo algum bloqueio, tem alguém infiltrado do PT, do MST, da CUT".
O entorno de Bolsonaro também foi rápido ao aproveitar a paralisação para reforçar o discurso anticorrupção e antipetista.
O deputado federal delegado Fernando Francischini (PSL) tem compartilhado diversos vídeos e imagens a favor dos caminhoneiros. "Gasolina cara? Agradeça o PT, que saqueou a Petrobras! Não votem em candidatos de esquerda!", diz uma delas.
Em recado transmitido por sua assessoria de imprensa, o parlamentar diz que o Brasil vive uma crise anunciada, "fruto de uma política desastrada e criminosa do PT, que destruiu a Petrobras".
"Mas jamais serei irresponsável de usar o meu mandato ou minhas redes sociais para fazer demagogia."
Em vídeo, o senador Magno Malta (PR) foi outro a marcar posição, afirmando que o governo petista reteve os preços do combustível "para fazer politicagem".
"Graças a Deus esse movimento não tem sindicato, não tem bandeira vermelha. É bandeira verde, amarela e azul."
Segundo sua assessoria de imprensa, o senador cancelou a agenda desta segunda (28), no Espírito Santo, para ir a Brasília votar a favor da regulação dos preços mínimos dos fretes rodoviários.
Já entre os movimentos de rua nacionais que cresceram na esteira do impeachment de Dilma, apenas o Nas Ruas abraçou a pauta dos caminhoneiros. O Vem Pra Rua e o MBL (Movimento Brasil Livre) se colocaram contra o aumento de impostos resultante da negociação com a categoria. "A conta de tal medida, conforme avisamos na última semana, restou para o pato de sempre: você."
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