Por Sergio Lamucci, Thais Carrança e Hugo Passarelli | Valor Econômico
SÃO PAULO - A crise provocada pela greve dos caminhoneiros tem graves implicações políticas, econômicas e institucionais para o país, segundo analistas. A fraqueza do atual governo, empenhado apenas em sobreviver até o fim do mandato, levou a concessões que fragilizam ainda mais as contas públicas num momento fiscal já delicado, abrindo precedentes para outros setores pedirem favores que implicam redução de tributos ou aumento de subsídios. O quadro também tende a favorecer o radicalismo, num ambiente de deterioração política.
O presidente do Insper, Marcos Lisboa, vê com grande preocupação a crise causada pela greve dos caminhoneiros, criticando as concessões feitas pelo governo para tentar encerrar as paralisações. Além da redução de impostos para beneficiar o setor, a atual administração "resgatou inacreditavelmente práticas de cartéis que o Brasil havia superado há muito tempo", diz ele, referindo-se à tabela de preço mínimo para fretes e à garantia aos caminhoneiros autônomos de 30% dos fretes da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
"Isso é um retrocesso institucional de 20 anos", afirma Lisboa. "Dessa vez o governo realmente conseguiu voltar 20 anos em dois." Para ele, "é a volta do velho regime cartorial de setores privados dos anos 80 que, vamos combinar, não foram de boa memória".
Ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Lisboa diz que um "oportunismo sem precedentes" está levando o país à crise. "Não é possível nós sermos tão reféns do oportunismo. Parece que essa virou infelizmente a marca dos grupos organizados no Brasil."
Isso ocorre num cenário de um governo cada vez mais fraco, de acordo com Lisboa. Para ele, a atual administração não apenas "se diminui na política", mas "também tem revelado uma incompetência técnica imensa", ao aceitar acordos como o anunciado no domingo, para tentar encerrar a greve.
"Esse acordo é um retrocesso inacreditável para o país. Que história é essa de cartel organizado pelo governo?", questiona Lisboa. "Quer dizer que agora vai ficar mais caro o transporte de alimentos, vai subir o preço da batata, o preço de alimentos básicos, porque há um cartel coordenado pelo governo para ter um preço que garanta a margem de lucro dos caminhoneiros e reserva de mercado sem licitação?" Para ele, abriu-se um "precedente gravíssimo" com essas concessões.
Relatório da A.C. Pastore & Associados, consultoria do ex-presidente do Banco Central (BC) Affonso Celso Pastore, destaca "as graves repercussões sobre a economia e a política" da crise dos caminhoneiros, que ocorre num momento de mudança do cenário internacional, com a valorização do dólar levando à depreciação das moedas dos emergentes e criando incertezas quanto ao futuro". Ele lembra que os preços do petróleo bateram em US$ 80 o barril, subindo 20% em pouco mais de dois meses, o que, aliado à depreciação do real, levou o preço do petróleo medido em reais ao nível mais alto desde o estabelecimento da moeda".
Segundo Pastore, os analistas que olhavam apenas para a inflação não viam nenhum problema aí, uma vez que a fraqueza da economia reduz o repasse dessa elevação para os índices de preços. "Mas esse fato tem uma contrapartida: a incapacidade dos transportadores de carga e dos postos de combustíveis repassarem os aumentos de custos para preços estreita fortemente suas margens", observa o relatório da consultoria de Pastore.
No caso de "países com governos racionais e o devido poder político", choques dessa ordem de magnitude têm seus efeitos suavizados através de correções graduais, diz o texto. "Contudo, o atual governo tem apenas uma preocupação - defender-se das acusações de corrupção -, usando a força política ainda remanescente para manter-se no cargo", observa Pastore. "As consequências são graves, indo desde forte desaceleração da atividade econômica até a criação de um clima político extremamente desfavorável às eleições que se aproximam."
A análise de Pastore lembra que o país já vivia uma desaceleração do crescimento, ressaltando que o "quadro altamente desfavorável levará no mínimo a uma desaceleração ainda maior, com consequências profundamente nefastas para a população e os investidores."
E o impacto da paralisação dos caminhoneiros sobre a economia neste trimestre pode ser significativa, na visão de alguns analistas. "Os efeitos [da greve], em princípio, levam a uma piora expressiva da atividade esperada para o segundo trimestre", diz o economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves.
Segundo ele, mesmo que as paradas da indústria e dos serviços sejam logo normalizadas, o nível de retomada com o eventual fim da paralisação é incerto. "Depois que acabar a causa [de incerteza], vai demorar um tempo para as famílias, indústrias e empresas retomarem o nível de confiança. E não sei se volta ao nível anterior", afirma Gonçalves. Na semana passada, o Fator revisou para baixo a projeção para o crescimento em 2018 de 2,5% para 1,8%.
Para o cientista político e professor do Insper Carlos Melo, a crise atual é um momento mais delicado para o país do que o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) em 2016 e do que a instabilidade provocada pela delação dos executivos da JBS em maio do ano passado.
Segundo Melo, a diferença entre os dois turbilhões anteriores e o atual é que, nas duas situações anteriores, a saída para o impasse era civil, ao passo que agora setores crescentes da sociedade passam a clamar por uma solução militar. "Ainda é minoritário, mas, à medida que se migre para um ambiente de desordem, de caos, de ausência de poder, de ausência de governo, estamos tangenciando um perigo que, na história do Brasil, não pode ser negligenciado", avalia ele.
Melo diz que o país vem de um processo de piora do ambiente político desde 2013. "A população sente que os políticos não a representam mais, ou representam muito mal. Em paralelo a isso tudo, há a questão da corrupção", nota ele. "Então há uma enorme crise de credibilidade do governo e do sistema político de uma forma geral. Os principais partidos estão em crise, fragmentados internamente. Então há um problema muito sério."
Para Lisboa, a situação está "caminhando a passos largos para transformar a crise que começou em 2013, 2014, num preâmbulo moderado" do que pode ocorrer com o país. "Nós estamos assistindo as consequências de ter interrompido uma agenda de ajuste fiscal." Lisboa também afirma que o clima de incerteza tem consequências sobre a atividade. "Como você vai investir num país como esse? Não sabe qual é a estrutura tributária daqui a seis meses."
Na visão do economista, a estrutura de gastos e a estrutura tributária do governo "não são sustentáveis". Se continuar como está, a dívida sai do controle, afirma o presidente do Insper. "Se [a dívida] sair de controle, os juros de mercado saem de controle", diz Lisboa. "Seria o pior quadro, de uma economia estagnada, com desemprego, inflação alta e juros de mercado altos porque a dívida do governo é insustentável. Isso gera mais desvalorização do câmbio, o que agrava ainda mais a pobreza do país."
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