Mesmo que sejam necessários ajustes na política de realismo tarifário, é crucial que se preserve a filosofia de concorrência no mercado de combustíveis
O momento da greve de caminhoneiros é de se estabelecer a máxima prioridade para a cadeia de abastecimento voltar a funcionar sem obstáculos. É a única alternativa aceitável depois que o governo concordou com todas as reivindicações do setor, incluindo de empresas que atuam nos bastidores do movimento.
Na entrevista concedida por autoridades no início da tarde de ontem, o ministro Eliseu Padilha se referiu a “infiltrações” entre caminhoneiros. Era previsível que grupos políticos tentassem se aproveitar da crise, para insuflar a radicalização e ampliar os problemas que a população enfrenta, inclusive com risco de vida para pacientes em hospitais e emergências. Uma forma especialmente irresponsável de tentar atingir o governo Temer. Enquadrase neste cenário a ameaça de greve de petroleiros, uma iniciativa de evidente objetivo político-partidário.
Mas não há nada que a Constituição e o arcabouço legal de forma ampla não prevejam. O Estado tem instrumentos legais para gerenciar situações como esta. O ponto-chave é que muito foi concedido, a um custo financeiro estimado em quase R$ 10 bilhões, a ser arcado por toda a sociedade. Deve-se lembrar que a União continua a acumular déficits anuais pesados. Para este ano, sem incluir o custo da dívida, R$ 159 bilhões. Mais esta despesa terá de ser bancada pela sociedade.
A garantia de preço fixo do diesel durante períodos predeterminados, o aceno de transporte pelos autônomos de parte da carga gerada pela Conab, de desconto para caminhões em pedágios e até de preço mínimo para frete consagram retrocessos graves. Na prática, volta-se aos congelamentos, à reserva de mercado, ao controle de preços e até à insegurança jurídica, com o rompimento unilateral de contratos assinados por concessionárias de estradas.
É preciso haver ações de redução de danos, para que não se repitam movimentos que usem a população como refém para vergar o governo. A classe política está convocada a atuar no apaziguamento geral.
Compreende-se a impossibilidade de os caminhoneiros gerenciarem a vida sem um mínimo de previsibilidade na fixação do preço do diesel. É correta a política de preço real da Petrobras, sem permitir que a estatal subsidie o consumidor. Foi assim, no governo Dilma, que a empresa acumulou perdas de dezenas de bilhões de reais, uma conta que cedo ou tarde seria apresentada ao Tesouro. Com o peso da corrupção, causa do superfaturamento de contratos, a Petrobras virtualmente quebrou.
O acordo com os caminhoneiros transfere para o Tesouro o ressarcimento da empresa quando os custos (cotação do petróleo e câmbio) suplantarem os preços na bomba. Podese apagar um incêndio na emergência, mas este não é um modelo aceitável.
Mesmo que sejam necessários ajustes na política de realismo tarifário, é crucial que se preserve a filosofia de concorrência no mercado de combustíveis, e de custos transparentes na estatal. Se o mercado de distribuição está oligopolizado, há organismos de Estado que tratam do problema. Não devem faltar interessados em atuar neste ramo de negócios. O mesmo vale para o refino, e para isso a estatal precisa continuar seu projeto de atrair novos investidores em refinarias.
Há um extenso balanço a ser feito de tudo, até para o aprendizado no gerenciamento dessas situações, sempre dentro dos marcos da democracia. É essencial, no lado dos manifestantes, saber o momento de recuar, mais ainda quando se constata que a greve foi vitoriosa.
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