terça-feira, 29 de maio de 2018

Paralisação segue e afeta mais setores

SÃO PAULO - O agronegócio também parou. Por causa da greve dos caminhoneiros, ontem em seu oitavo dia, a colheita de produtos agrícolas e o processamento de matérias-primas foram paralisados desde o fim de semana, ampliando prejuízos. "Todas as fábricas de farelo e biodiesel do país estão paradas", afirmou André Nassar, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais, que representa as processadoras de soja.

Quadro semelhante marcou também outro setor responsável por volumes significativos de exportações. Todos os grandes produtores de celulose e papel do país estão enfrentando redução de atividades ou parada total de produção. A Suzano Papel e Celulose interrompeu 100% de suas operações fabris. Entre as grandes fabricantes, a única exceção, por enquanto, é a Veracel.

A siderurgia é mais um setor duramente penalizado com o movimento grevista. Levantamento do Instituto Nacional dos Distribuidores de Aço mostra que mais da metade de seus associados parou de vender nos últimos dias. No setor automotivo, Fiat, Ford e General Motors paralisaram a produção de algumas unidades.

Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), 92,7% das empresas filiadas tiveram impacto na operação, de falta de matérias-primas e paralisação parcial da produção a dificuldades na exportação.

A ampliação dos setores produtivos ameaçados por desabastecimento faz crescer a preocupação com a já vacilante retomada do crescimento econômico e levou analistas a rever suas projeções também para o desempenho do mercado financeiro. Para gestores, ainda que a forte queda das ações abra espaço para alguma recuperação no curto prazo, a bolsa não deve retomar os recordes do início do ano e sequer o nível do começo de maio. Só no pregão de ontem, o Ibovespa caiu 4,49%, aos 75.356 pontos - menor nível de 2018. O tombo levou a bolsa a devolver todo o ganho acumulado no ano e perder 1,37%. No mês, a queda é de 12,49%. A perda do Ibovespa desde que a greve dos caminhoneiros começou é de 9,3%. As ações da Petrobras caíram mais 14% ontem e a companhia agora é só a quarta mais valiosa

Greve e bloqueios continuam, mesmo após oferta do governo

Marcelo Ribeiro, Rafael Bitencourt e Cristiano Zaia | Valor Econômico

BRASÍLIA - Após anunciar cinco medidas que atendiam os principais pleitos dos caminhoneiros, o governo viu ontem o movimento prosseguir pelo oitavo dia. Em entrevistas de avaliação da greve, chegaram a celebrar uma redução do ímpeto do movimento, mas dados da Polícia Rodoviária Federal mostraram que os números de bloqueios de rodovias ainda são altos. O ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, passou a mencionar a infiltração política no movimento, depois detalhada mais objetivamente pelo presidente da Abcam, entidade de representação dos caminhoneiros, José da Fonseca Lopes, que disse haver pressão política para impedir o fim da greve.

Segundo a Polícia Rodoviária Federal, citada pelo ministro Eliseu Padilha, de um total de 1,2 mil bloqueios ao longo da semana, já foram liberados 728, o equivalente a 56%. Há, ainda, porém 557 bloqueios espalhados pelo país. "Nossa preocupação maior é com o abastecimento. O compromisso é normalizar isso", disse, enfatizando que a volta da circulação de mercadorias é um processo lento.

Padilha disse que os órgãos de inteligência do governo já identificaram "muitas infiltrações" de pessoas que não são caminhoneiros no movimento. Segundo ele, há "interesse político" de manter as paralisações. "Vamos separar quem está infiltrado dos caminhoneiros para que a categoria possa voltar a trabalhar. O abastecimento não pode correr risco", disse.

O número apresentado por Padilha por volta de meio dia, que é atualizado a cada 2 horas pela Polícia, piorou ao longo do dia, devido à maior concentração de grevistas e manifestantes na parte da tarde. O total de pontos de concentração com manifestantes, não só caminhoneiros, por rodovias federais do país, aumentou ao longo dia e chegou a 594, segundo a PRF. O ministro, general Joaquim Luna e Silva, negou, em entrevista para fazer um balanço da atuação dos militares, que a força-tarefa não tenha avançado. Ele não quis, porém, dar uma previsão para o término das paralisações nas estradas do país. "Seria irresponsabilidade dar algum prazo neste momento, o que posso dizer é que o decreto prevendo a Garantia de Lei e Ordem só vai até 4 de junho".

O ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun, destacou que "as coisas precisam de um tempo para se amoldarem às decisões que já foram tomadas pelo governo". "É um excelente acordo para os senhores caminhoneiros, que foi obtido também pelo apoio da sociedade ao movimento", declarou.

O ministro chefe do Gabinete de Segurança Institucional, Sergio Etchegoyen, afirmou que não tem havido relatos das forças policiais de casos de violência nas desobstruções de estradas: "Não temos um episódio a lamentar do uso excessivo da violência, salvo em alguns momentos em que aproveitadores têm tentando incitar".

Foi um dia de reuniões em Brasília. À noite, depois de participarem de avaliação no Palácio do Planalto, o ministro Raul Jungman (Segurança Pública), e o diretor geral da Polícia Federal, Rogério Galoro, foram ao gabinete do ministro Alexandre de Moraes (STF) para falar sobre a ADPF (Arguição de descumprimento de preceito fundamental), que deve ser votada hoje em plenário, com liminar já concedida por Moraes à Advocacia Geral da União.

No Congresso, a votação das Medidas Provisórias incluídas no acordo com os representantes dos caminhoneiros começaram a tramitar e, depois de reunião com líderes do governo e da oposição, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, comprometeu-se a levar ao presidente Michel Temer a preocupação dos parlamentares em conseguir uma resposta institucional à greve. Segundo defenderam, o discurso dos três poderes deveria ser em defesa da democracia, para se contraporem ao discurso de manifestantes a favor da derrubada do governo e de uma intervenção militar.

"Estão utilizando movimento contra a alta carga tributária para ter pauta política com fundo de intervenção militar", criticou o líder do PPS na Câmara, deputado Alex Manente (SP). "Vamos reafirmar a posição de acreditar na democracia", disse. (Colaboraram Murillo Camarotto e Raphael Di Cunto)

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