- Valor Econômico
Pela regra do teto, dinheiro será usado para reduzir o déficit
O presidente Michel Temer deixou um presente de fim de ano para o seu sucessor. A equipe econômica de Temer não incluiu mais de R$ 100 bilhões na previsão de receita da União em 2019.
Ficaram fora do cálculo oficial a arrecadação com o leilão do petróleo excedente dos campos da cessão onerosa à Petrobras, que pode chegar a R$ 100 bilhões, de acordo com projeção feita pelo Ministério de Minas e Energia, e a receita com a mudança no Imposto de Renda dos fundos de investimentos exclusivos, um montante de R$ 10,8 bilhões.
Fontes da área econômica explicaram que essas receitas ficaram fora da previsão oficial porque o governo Temer preferiu ser conservador. As duas receitas ainda dependem da aprovação de projetos de lei que estão no Congresso e não há garantias de que eles sejam aprovados, principalmente em virtude da mudança de governo, argumentaram as fontes.
O governo incluiu em sua previsão, no entanto, o valor do pagamento de outorga pelos novos contratos de concessão das usinas da Eletrobras cuja energia hoje é negociada no regime de cotas, estimado em R$ 12,2 bilhões. A mudança de regime depende igualmente da aprovação pelo Congresso de um projeto de lei que permite a privatização da Eletrobras.
Os técnicos oficiais ouvidos pelo Valor explicaram que era importante incluir esta receita na proposta porque isso mostra a importância de aprovar o projeto para o futuro do setor elétrico brasileiro. A apreciação do projeto ficou para o próximo ano por decisão do próprio presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Em junho, os deputados aprovaram o projeto de lei com regras que tornam possível o acordo entre a Petrobras e a União, em torno da revisão do contrato da cessão onerosa de 5 bilhões de barris no pré-sal, firmado em 2010. O projeto depende agora somente do Senado. Se ele for aprovado pelos senadores, a revisão será feita e o leilão do excedente da cessão onerosa poderá ser realizado.
O projeto que muda a tributação dos fundos de investimento exclusivos ainda não foi votado nem pela Câmara nem pelo Senado. No ano passado, o governo tentou alterar a tributação dos fundos por meio de medida provisória, mas ela terminou não sendo votada e perdeu validade. Por causa do princípio da anterioridade, o projeto precisa ser aprovado até o fim deste ano para entrar em vigor em 2019.
Um aspecto precisa ser destacado. O governo não poderia ter usado a montanha de dinheiro que será arrecadada com o leilão do excedente da cessão onerosa e com a tributação dos fundos exclusivos para aumentar os gastos da União em 2019, pois as despesas da proposta orçamentária já foram fixadas no teto, estipulado pela emenda constitucional 95/2016. Assim, a alternativa da área econômica teria sido usar a receita para reduzir o déficit primário do governo central (Tesouro, Previdência e Banco Central) para o próximo ano, cuja meta está fixada em R$ 139 bilhões.
Com os recursos da cessão onerosa e da tributação dos fundos de investimentos exclusivos, a equipe econômica seria obrigada a reduzir o déficit do governo central, que ficaria muito pequeno - algo inferior a 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB). Com o superávit primário de R$ 10,5 bilhões projetado para os Estados e os municípios no próximo ano e o superávit de R$ 1,5 bilhão previsto para as estatais federais, é provável que as contas do setor público apresentariam, pela primeira vez desde 2013, uma situação de equilíbrio.
Um resultado como esse poderia dar a falsa impressão ao público menos informado de que os problemas fiscais estão resolvidos, não existindo mais necessidade de reformas, que reduzam o ritmo de crescimento das despesas obrigatórias. Não se deve esquecer que as receitas do leilão do excedente da cessão onerosa e da tributação do estoque dos fundos de investimento exclusivos só acontecerão uma única vez, ou seja, são receitas atípicas. Nada garante que o resultado fiscal obtido com elas vá se repetir nos anos seguintes.
O dinheiro deixado para o próximo governo será, é importante admitir, mais uma tentação para que o futuro presidente altere a regra do teto de gastos, que vem sendo bombardeada até mesmo pelo Judiciário. Se resolver utilizar as receitas para fazer novas despesas, como um grandioso programa de recuperação da infraestrutura do país, como alguns defendem, o futuro presidente terá que mudar a regra do teto de gastos. É uma tentação considerável.
Para muitos economistas, o mais adequado é utilizar os recursos para reduzir ou eliminar o déficit primário, melhorando, assim, as expectativas do mercado e preparando o terreno para uma retomada mais forte da economia. Manter o teto de gastos é considerado por esses economistas como fundamental para o reequilíbrio das finanças públicas. A decisão será tomada pelo próximo presidente.
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A proposta orçamentária de 2019, enviada ao Congresso na semana passada, abre um precedente perigoso. Ela prevê, sob a forma de uma "reserva de contingência primária", uma dotação para pagar o aumento de 16,38% do subsídio de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), que reajusta os salários de todos os magistrados. Foi criada, igualmente, uma "reserva" para pagar o aumento de 16,38% nos salários dos procuradores do Ministério Público da União (MPU).
O problema é que o artigo 169 da Constituição estabelece, em seu parágrafo primeiro, que a concessão de qualquer vantagem ou aumento de remuneração de servidores da União só pode ser feita se houver autorização específica na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). A LDO para 2019 não tem autorização específica para a concessão de novos reajustes para servidores. A pergunta que se coloca é como foi criada um "reserva de contingência" na proposta orçamentária para, especificamente, pagar aumento salarial, se o reajuste não está autorizado na LDO? O mais impressionante é que o expediente foi usado nas dotações do STF e do MPU.
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