O governo argentino colocou nas mãos do Fundo Monetário Internacional a possibilidade de impedir o aprofundamento de sua crise econômica e as esperanças de reeleição do presidente Mauricio Macri em 2019. Desde maio, quando recorreu abruptamente ao Fundo diante de uma forte desvalorização do peso, os cenários externo e doméstico pioraram e destruíram a perspectiva de que US$ 15 bilhões de ajuda financeira era tudo o que o país precisaria para seguir em frente. "Nestes meses se desataram juntas todas as tormentas", disse Macri em pronunciamento à nação, o mesmo em que anunciou que buscaria antecipação dos desembolsos do FMI para afastar os temores de que a Argentina poderia não cumprir seus compromissos até o fim de 2019.
As sucessivas e rápidas desvalorizações do peso - 52% no ano - deterioraram todas as expectativas sobre o desempenho da economia. A recessão que, segundo o ministro Nicolás Dujovne anunciara apenas há uma semana, seria de 1%, foi revista para uma queda de 2,4%, enquanto a inflação deverá estacionar ao fim do ano em 42%. As estatísticas corroboram as perspectivas negativas. Na comparação com o mesmo mês de 2017, a indústria argentina recuou 1,2% em maio, 8,1% em junho e 5,7% em julho, de acordo com o Indec. O salário médio dos trabalhadores formais declinou 4,3% em junho, mesmo após terem sido reajustados em 23,9% nos últimos 12 meses. O desemprego começou a subir.
Pouco após a costura do acordo com o Fundo, a Argentina recebeu US$ 15 bilhões. Apenas as intervenções para apoiar o peso, de 22 de junho até agora, consumiram US$ 11,8 bilhões das reservas (jornal Página 12, ontem), que estão em US$ 51,4 bilhões. Com a crise, o risco país dobrou de 400 para 800 pontos, refletindo os riscos de solvência externa e trazendo de volta os fantasmas do passado, isto é, o risco de novo calote.
Não se sabe em detalhes o que o governo argentino pediu ao Fundo. O cronograma de desembolsos, pela situação crítica do país, pode dar um alívio ao menos momentâneo ao combalido peso. Dependendo do grau de desconfiança dos investidores, que já é alto e tende a subir com os sinais de depreciação acelerada de várias moedas emergentes, pode ser que o pacote argentino tenha de ser ampliado para além dos US$ 50 bilhões iniciais. Em Washington, o ministro da Fazenda, Nicolás Dujovne, não confirmou nem desmentiu essa possibilidade.
Da mesma forma que o presidente Macri anunciou que pedira desembolsos mais rápidos sem ter avisado ao FMI, o governo divulgou um pacote de ajuste sem combinação prévia, dobrando a aposta - a meta é de zerar o déficit primário, hoje de 2,9% do PIB, até o fim de 2019. Para obter esse resultado, as medidas se dividem igualmente em aumento de receitas e corte de gastos.
O governo voltou a taxar as exportações agrícolas e estendeu os impostos aos demais setores exportadores. As vendas externas de bens primários pagarão 4 pesos por dólar obtido, enquanto que para os demais bens e serviços a taxa é de 3 pesos por dólar. A soja, o carro chefe das exportações do país, teve a taxação anterior reduzida de 25% para 18%, mas a nova cobrança instituída levará o imposto a 29%. A estimativa é que com isso se arrecade em 2019 o equivalente a 1,5% do PIB, ou 280 bilhões de pesos (cerca de US$ 7 bilhões).
O corte de gastos mais pesado recairá sobre os investimentos, que serão reduzidos pela metade, para 0,7% do PIB, enquanto que a continuação do corte dos subsídios renderá economia de 0,5% do PIB, e uma série de medidas de ajustes na máquina pública redundará em diminuição de gastos de 0,2% do PIB. Entre as ações estão o corte do número de ministérios de 21 para 11, congelamento das contratações públicas e dos salários, cuja eventual recomposição não poderá ultrapassar a inflação corrente.
Se tudo der certo, a "recuperação será lenta", disse ontem Dujovne. O crescimento será nulo em 2019 e de apenas 1% em 2020. Isto significa que no ano eleitoral Macri, candidato à reeleição, não terá um legado positivo a apresentar e, quanto à expansão econômica, produzirá um resultado anual tão ruim quanto o que recebeu. Macri terá de contar também com a sorte, que lhe faltou até agora, de o cenário externo não se deteriorar ainda mais, obrigando-o a novas repactuações com o FMI e mais austeridade aos argentinos. Macri não conseguiu se desvencilhar da "herança maldita" de Cristina Kirchner, o que ainda pode arruinar suas chances de continuar na Casa Rosada.
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