quinta-feira, 6 de setembro de 2018

Zeina Latif*: Casamento de conveniência?

- O Estado de S.Paulo

O que Paulo Guedes propõe não pode ser chamado de programa de governo, e tampouco caracterizado como ambicioso, pois estabelece metas sem considerar as várias dificuldades para sua execução

É notável a divergência entre os discursos de Jair Bolsonaro e Paulo Guedes. O que Guedes propõe não pode ser chamado de programa de governo, e tampouco caracterizado como ambicioso, pois estabelece metas sem considerar as várias dificuldades para sua execução. Não são críveis suas promessas de amplo programa de privatização e de venda de imóveis da União; eliminação do déficit orçamentário em 2019; e reforma da Previdência com implementação do regime de capitalização.

Há mérito em trazer esses temas para o debate. No entanto, o próprio Bolsonaro trata de atenuar e até negar pontos da agenda, por serem politicamente inviáveis. O candidato afirma que as privatizações serão apenas das empresas criadas pelo PT (este não deveria ser o critério) e a reforma da Previdência será gradual e com foco nos servidores públicos.

As propostas de Guedes são inviáveis também do ponto de vista econômico. Chegamos a um ponto em que as privatizações se tornaram essenciais para reduzir o risco fiscal e recuperar a capacidade de investimento. A Eletrobrás é o caso mais visível.

No entanto, as 144 estatais têm realidades muito diferentes. A análise terá que ser caso a caso. Algumas empresas deveriam ser liquidadas, como foi a Indústria Carboquímica Catarinense em 2017; outras não são passíveis de privatização, por atuarem em áreas que não atraem o investimento privado, como a Embrapa; outras necessitam de engenharia para lá de engenhosa para atrair interessados, como os Correios; outras demandam tratamento anterior das empresas subsidiárias, como a Petrobrás (38) e a Eletrobrás (37), além de devido cuidado com os marcos regulatórios, o que também vale para Banco do Brasil e Caixa.

São várias as partes envolvidas que podem dificultar a agenda do presidente, mesmo no Executivo, como, por exemplo, na Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Há processos que dependem do Congresso e há muito espaço para judicialização, por conta de resistências corporativas. Um exemplo são as liminares contra o leilão de distribuidoras da Eletrobras. É preciso também considerar o Tribunal de Contas da União.

Não é uma agenda que se resolve rapidamente. E não há como chegar na marca de R$ 1 trilhão estimados. Vale citar que o valor de mercado das principais estatais listadas em bolsa estava em R$ 430 bilhões ao final de junho, sendo a participação da União em torno de R$140 bilhões.

Dificuldades da mesma natureza esbarram na meta de obter R$ 1 trilhão na venda de imóveis da União. Segundo o relatório da Instituição Fiscal Independente, o estoque de imóveis da União é de pouco mais de R$ 1 trilhão. Mesmo o valor sendo subestimado, monetizá-lo é outra história.

Primeiro, a cifra inclui imóveis que não seriam passíveis de venda, como os essenciais ao funcionamento da máquina pública, os parques, as reservas e as fazendas de uso educacional, para citar alguns.

Segundo, há várias etapas e muita burocracia envolvida para chegar ao que é possível vender e como fazê-lo. Terceiro, não é fácil encontrar compradores dispostos a enfrentar as dificuldades para adquirir e reformar imóveis tombados pelo patrimônio histórico. Um exemplo é o antigo edifício da Polícia Federal em São Paulo, que pegou fogo e desabou este ano. O governo federal tentou vendê-lo em 2015 por R$ 21 milhões. Não houve interessados.

As contas para zerar o déficit público em 2019 não fecham, e requerem medidas que dependem de aprovação do Congresso, sendo algumas constitucionais.

Quando questionado sobre as dificuldades para implementar suas propostas, Guedes defende um meio do caminho entre seu programa e o de Bolsonaro. Muito confuso.

Bolsonaro é o primeiro colocado nas pesquisas e, mesmo assim, é o candidato que menos se manifesta sobre política econômica. Quando o faz, expõe as divergências com seu guru e fiador. Será mesmo que Guedes será o ministro da Fazenda de Bolsonaro?
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*Economista-Chefe da XP Investimentos

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