- Valor Econômico
Estratégia suicida da centro-direita abriu espaço para Bolsonaro
Bolsonaro estagnou, enquanto Haddad continua a crescer. Os demais candidatos estacionaram. No segundo turno, Bolsonaro perde para todos.
A direita está presa à sua candidatura. Não tem para onde correr. Geraldo Alckmin já não cola, mas já fez sucesso. Em 2014, virou governador de São Paulo no primeiro turno. Em 2016, noutro momento de glória, elegeu o poste Doria prefeito da capital - poste do tipo traíra, mas poste mesmo assim. No última Datafolha, Geraldo não passou de 16% - até Ciro subiu mais - entre os paulistas.
A estratégia suicida da centro-direita criou esta terra arrasada pela qual Bolsonaro ascendeu. No início de 2015, Fernando Henrique Cardoso alertou seus pares para as consequências do desatino. O impeachment, advertiu, seria como a bomba atômica: servia para dissuadir, mas nunca para disparar. Foi o que bastou para que O Antagonista o desancasse, levantando suspeitas de que estaria a soldo de banqueiros norte-americanos. Cardoso, no final das contas, se esqueceu das lições de Ulysses Guimarães e se juntou à nau dos insensatos, que liderou o impeachment. A partir de então, a irracionalidade encontrou ambiente ótimo para se desenvolver. Bolsonaro foi o único representante da direita capaz de sobreviver neste terreno radioativo. Como as pesquisas indicam, mesmo o mutante morrerá na praia. Chegará ao segundo turno em decomposição.
Internado, Bolsonaro soltou vídeos e concedeu entrevistas a jornalistas escolhidos a dedo, tentando passar imagem mais humanizada. Não faltaram lágrimas e referências à intervenção divina que o teria salvado do atentado a faca. "Um milagre", repetiram vezes sem conta o candidato e seus filhos.
Bolsonaro crê que Deus o salvou, mas que as mãos que o alvejaram teriam obedecido a desígnios terrenos. Em entrevista à "Jovem Pan", declarou que não acredita neste 'papinho' de que seu agressor teria agido sozinho. Fiel às suas teorias conspiratórias, o candidato tem certeza de que os investigadores estão fazendo tudo para abafar o caso "porque o que está em jogo é o poder. Eu chegando lá, nós quebramos o sistema. Não é na ignorância não, é na lei, é na lei."
O capitão esclareceu que "esses caras que falam que eu sou um risco pra democracia, mas na verdade, eu sou um risco aos esquemas deles. Não vai ter mais indicação pra BNDES, Banco do Brasil, Caixa Econômica, Banco da Amazônia, Banco do Nordeste."
Este é o sistema que a 'revolução bolsonariana' quebraria, o das indicações políticas. Aí estaria a razão do atentado, dos ataques e das críticas de que vem sendo vítima. "Eu sou um risco sim. Sou um risco àqueles que vivem pendurados em estatais do governo", arrematou o candidato, acrescentando que só fará indicações baseadas no mérito, na qualidade dos indicados. Em outras palavras, Bolsonaro quer exterminar o tal do 'presidencialismo de coalizão'. Por isso teria rejeitado o apoio do 'Centrão'. Alckmin e os demais, portanto, representariam a continuidade. Bolsonaro seria a quebra do sistema, o fim da corrupção.
A ideia é simples e tem lá seus atrativos, mas está longe de se constituir em ameaça revolucionária ao sistema. O governo representativo nasceu com a promessa de que o governo caberia aos mais capazes, aos eleitos. Era essa a ideia original, mas como sempre acontece, há uma distância enorme entre o que se espera e o que se faz. E esta defasagem, vale esclarecer, não é causada por agentes infiltrados que conspiram contra o bem e a ordem.
O próprio Bolsonaro, ao dar exemplos das nomeações que pretende fazer, deu provas de que o mérito e a lealdade política se fundem no momento das escolhas: "O Deputado Onyx Lorenzoni, por exemplo, no meu entender, seria um excelente chefe da Casa Civil, mas não é uma indicação partidária, mérito dele. Ele vestiu essa camisa comigo, tá ok?"
Embevecido com as obviedades que ouvia, o repórter deixou passar a contradição. Mas Bolsonaro foi tão claro quanto possível: a qualidade de Onyx é a sua lealdade ao líder, o fato de ter aderido ao movimento na primeira hora. A fidelidade e a disciplina, vale frisar, são a quintessência da escolha ditada pelo princípio partidário.
Neste ponto, Bolsonaro não difere dos demais candidatos. Ele julga competente quem lhe é leal, quem pensa como ele. O mesmo, obviamente, ocorre com o PT, com o PSDB e assim por diante. Além disso, o fundamental não é se nomeações serão baseadas na competência ou na lealdade política. A questão central é a informação utilizada. Bolsonaro, como todos os demais candidatos, usará de seus conhecimentos e das informações de que dispõe para julgar a qualificação de seus auxiliares potenciais. Necessariamente, estes critérios serão subjetivos e, no caso de Bolsonaro, concentrados nas mãos de alguém que não esconde sua ignorância e seu despreparo.
Mais do que isso, como não tem o dom da onisciência, Bolsonaro, ao selecionar gente para tocar o governo, terá que recorrer aos conselhos de seus filhos e do presidente do PSL, Bebianno. Estes também têm seus amigos a quem recorrerão para preencher o segundo escalão. E é aí que mora o perigo. Não faltará gente com soluções miraculosas prontas a conquistar a simpatia dos Bolsonaros, de seus amigos, e dos amigos dos seus amigos. E com a amizade virão os bons contratos com o governo.
Bolsonaro é dado a devaneios conspiratórios. Tem certeza da vitória e declarou à Datena que só seria derrotado mediante fraude. Isto é, se perder, vai protestar e espernear. Está no seu direito, mas uma declaração tresloucada por si mesma não constitui uma ameaça à democracia. A contestação apenas trará perigo se contar com apoio de gente graúda, se outros atores políticos relevantes considerarem intragável a eventual vitória do PT. Até onde a vista alcança, e como indicam os editoriais recentes dos principais órgãos de imprensa, desta feita, Bolsonaro terá de ir às ruas sozinho.
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Fernando Limongi é professor do DCP/USP, da EESP-FGV e pesquisador do Cebrap.
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