- Folha de S. Paulo
O autor analisa o caso brasileiro de forma inconsistente com seu argumento
O debate brasileiro tem sido influenciado pelos argumentos de Steven Levitsky, co-autor de “Como as Democracias Morrem”, Zahar). O livro tem recebido avaliações bastante críticas. A principal delas é que há um viés de seleção nos casos que examina. Os dois principais preditores da sobrevivência da democracia —renda e experiência anterior com regimes semicompetitivos— não são levados em consideração.
O foco do livro são os EUA sob Trump. Mas Levitsky examina outros países não comparáveis com os EUA (Rússia, Peru, Nicarágua) e casos históricos, argumentando que há lições a serem extraídas.
O principal argumento é que hoje a democracia não desaparece devido a golpes, mas pela “erosão” progressiva das instituições: “É assim que subvertem a democracia —aparelhando tribunais e órgãos independentes, comprando a mídia e o setor privado e reescrevendo as regras da política para mudar o mando de campo e virar o jogo contra oponentes”. (p. 19) E mais: isso ocorre atualmente sem recurso explícito ao autoritarismo, que se consolida ex post.
Os autores então perguntam-se “até que ponto a democracia norte-americana é vulnerável a essa forma de retrocesso? Suas fundações são sem dúvidas mais fortes do que as de países como Venezuela, Turquia ou Hungria. Mas serão fortes o bastante?”. Passado mais um ano desde que o livro foi concluído, e dado o acúmulo de derrotas de Trump, muitos críticos têm concluído que o alerta era exagerado: não há morte à vista.
O livro não trata do Brasil, mas em colunas nesta Folha, Levitsky tem estendido a análise ao nosso país de forma inconsistente com seu próprio quadro argumentativo.
Senão vejamos. Ao contrário do que assegura, o PT nomeou ex-advogado do partido para o STF, partidarizou as agências reguladoras, e “comprou” —para usar a expressão utilizada no livro— o apoio da mídia impressa e blogs simpáticos ao governo e de parte do empresariado através de vasto programa de subsídios a “empresas amigas”. E ademais, tentou “mudar o mando de campo e virar o jogo contra oponentes” através de um colossal esquema de corrupção.
Isso tudo sem autoritarismo. Mais importante: o PT não é o mesmo de 2002 —hoje sequer reconhece a ditadura na Venezuela.
Com base no argumento defendido no livro o retorno do PT à Presidência constituiria, sim, ameaça à democracia. No caso de Bolsonaro é incontroverso devido a sua defesa da tortura e apoio a soluções autoritárias. Mas interessa aos extremos exagerar a extensão da ameaça e subestimar os elementos societais e institucionais de resiliência. Ameaça de crise, desgoverno e abusos, sim; mas não de morte da democracia.
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Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
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