- Folha de S. Paulo
Uma minoria de militantes e comentaristas radicalizados nestas eleições padece da psicose que projeta no adversário monstruosidades ainda não praticadas
Cássio, Brutus e Casca integram a turma de oligarcas desesperada para tirar a República romana da rota da destruição. Concluem que assassinar Júlio César é o certo a fazer.
Os conspiradores, na encenação de Shakespeare, têm um problema. Não há prova de que César vá subverter a ordem republicana para tornar-se ele mesmo um monarca.
Daí brota a sacada do dramaturgo inglês sobre a psicologia por trás da violência na política. “Como a luta não carrega a cor daquilo que ele é”, diz Brutus a um criado sobre César, “então combinemos isto: que o que ele é, se fosse aumentado, desaguaria em tais e tais extremidades”.
É preciso imaginar, projetar no futuro, as desgraças ainda a serem perpetradas pelo inimigo a fim de nutrir o convencimento para a ação imediata. Criar uma ficção e acreditar nela. César será massacrado no Senado não pelo que ele é, mas pelo que poderia ter sido.
Foi Shakespeare, não George W. Bush, quem inventou a doutrina do ataque preventivo. Até a alegoria muito repisada nessas horas, o ovo da serpente, está lá, na fala de Brutus. É mais fácil esmagá-la enquanto está encapsulada, argumenta o homicida em formação.
Sem uma dose de alucinação, não há substrato psíquico para a anulação antecipada de um adversário que ainda não praticou o mal. Nestas eleições, uma minoria de militantes e comentaristas radicalizados aprisiona-se num labirinto de ódio contra o inimigo, a partir de elucubrações sobre as monstruosidades que ele cometeria se fosse o vencedor.
Na Roma antiga —a da história, não a da peça—, os conspiradores provavelmente estavam certos sobre a trajetória do cônsul rumo à tirania, mas de nada adiantou trucidá-lo. A República já estava morta à espera do primeiro imperador, que não tardou a sepultá-la.
A questão no Brasil, para quem escapa do transe, é investigar se a nossa democracia está moribunda. Não parece que esteja.
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