domingo, 15 de março de 2020

Celso Ming - Impacto político do coronavírus e do petróleo

- O Estado de S.Paulo

Brasil é um país dividido e até agora não apareceram lideranças capazes de enfrentar um processo dessa gravidade

Não há ainda um mínimo de clareza a respeito dos desdobramentos do duplo choque, do coronavírus e do petróleo. Mas já se esboçam impactos sobre as relações de poder, no exterior e por aqui.

O mais importante deles sugere enfraquecimento da força do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, não só porque seu jogo unilateralista ficou disfuncional e passou a ser fortemente questionado diante da maior necessidade de coordenação global de políticas entre as grandes potências, mas, também, porque algumas áreas que o apoiam estão agora prostradas e mais propensas a mudar de lado.

O setor da economia dos Estados Unidos mais atingido pela derrubada dos preços do petróleo é o do óleo e gás de xisto, responsável pela produção de aproximadamente 10 milhões de barris ou equivalentes por dia, mais do que as exportações da Arábia Saudita até agora. Se os preços do barril persistirem à altura dos US$ 30, grande parte dos produtores desse segmento quebrará ou será obrigada a suspender a produção por tempo indeterminado, porque opera a custos bem mais altos. Isso implicaria perda de renda e enfraquecimento fiscal de importantes Estados do Sul do país e de municípios que vinham apoiando Trump. O vigor da economia, apontado como grande trunfo eleitoral do presidente, pode deixar de ser tão estratégico, como foi até agora.

A ação da Rússia, crucial na decisão da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) de derrubar os preços, parece ter sido, também, de represália ao governo Trump, pelas sanções por ele impostas a empresas europeias participantes do projeto de construção das instalações do gasoduto Nord Stream 2, desenhado para facilitar as exportações russas para a Europa, principalmente para a Alemanha. Ou seja, a Rússia, que dizem ter ajudado Trump nas eleições de 2016, agora parece estar no lado oposto.

E tem as relações com Pequim. Se pretendia voltar a acirrar a guerra comercial, Trump também ficou sem justificativa para isso, diante do impacto da queda do PIB da China sobre a economia mundial e sobre a dos Estados Unidos. Também nesse caso, a reconfiguração geopolítica não ajuda o presidente Trump.

Como lembrado acima, este é um momento em que é preciso coordenação global contra o alastramento do coronavírus, empreendimento que exige aprofundamento das relações de confiança entre os governantes globais. Mas a capacidade de inspirar confiança não é qualidade que pode ser apresentada por um governante que refuga a defesa dos valores globais e, em vez disso, trombeteia que os interesses americanos virão sempre em primeiro lugar. E essa peculiaridade deverá ter influência na condução da política durante e depois do coronavírus.

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