- O Globo / Folha de S. Paulo
Bolsonaro abriga-se numa verdade só dele onde misturam-se crenças, manias e até mesmo visões
‘Eu acho... Eu não sou médico, não sou infectologista. Do que eu vi até o momento, outras gripes mataram mais do que essa’.
Que Jair Bolsonaro não é médico, todo mundo sabia. Sendo presidente da República, podia ter acompanhado a serenidade de seu ministro da Saúde, do governador de São Paulo e de David Uip, que é infectologista, e há semanas lidam com o caso do coronavírus. Outras gripes mataram mais que essa, inclusive a espanhola, que em 1919 levou o presidente Rodrigues Alves. (Como Tancredo Neves, ele foi eleito mas não assumiu.)
Noves fora papagaios do Irã, Bolsonaro foi o único governante a minimizar o risco do coronavírus. Contrariou quem é médico, a Organização Mundial da Saúde e seu ídolo Donald Trump.
Desde moço o capitão Bolsonaro abriga-se numa realidade paralela. Ele tinha 32 anos quando encrencou-se na carreira militar. Deixou o Exército pela porta lateral de uma carreira política num episódio que envolvia a autoria de um croqui primitivo de um atentado a bomba contra uma adutora. Dois laudos periciais disseram que ele havia sido o autor do desenho. O Superior Tribunal Militar entendeu que os laudos eram quatro e exonerou-o, sabendo que ele passaria para a reserva. Essa história está contada e documentada no livro “O cadete e o capitão”, de Luiz Maklouf Carvalho.
Passou o tempo e Jair Bolsonaro elegeu-se presidente da República. Logo no início do seu mandato ele se viu assombrado pelas traficâncias de seu chevalier servant Fabrício Queiroz, protetor do miliciano Adriano da Nóbrega. Dele nada se ouviu, salvo que “sou um homem de negócios, eu faço dinheiro”. Em mais de um ano, todos os envolvidos nessa trama recorreram a uma constrangedora blindagem. Nos dois casos, a realidade paralela foi uma forma defesa.
Na Presidência, o Bolsonaro desenvolveu o que parece ser um folclore diversionista que vai do “golden shower” ao negacionismo das queimadas da Amazônia. Quando o estoque parece esgotado, ele volta a duvidar da lisura das urnas eletrônicas. No caso do coronavírus, o folclore atravessou a rua, misturando-se com a voz do presidente da República numa questão de saúde pública. Continua sendo folclore, mas foi uma atitude pessoal, pois o governo está trabalhando noutra direção, a certa.
Bolsonaro abriga-se numa realidade paralela onde misturam-se crenças, manias e até mesmo visões. Um exemplo. No início do ano, ele disse o seguinte:
“Em fevereiro vou estar nos Estados Unidos, vou lá visitar empresários, que são militares... Vão me apresentar transmissão de energia elétrica sem meios físicos. Se for real, de acordo com a distância, que maravilha! Vamos resolver o problema de energia elétrica de Roraima passando por cima da floresta”.
Ele foi aos Estados Unidos e não visitou os empresários “que são militares”. (Abracadabra.) Era tudo fantasia, coisa que lhe foi contada por algum maluco. Nesse caso, a viagem de Bolsonaro pela realidade paralela não era contra ninguém. Se fosse coisa real, seria até a favor de Roraima. Eletricidade passando por cima da floresta era uma visão, semelhante à de que pode existir um “Posto Ipiranga” capaz de servir a um governante quando ele precisar de rumo para a economia do país.
Boas notícias
A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) acaba de anunciar que a safra de grãos deverá chegar a 251,9 milhões de toneladas, com um aumento de 4,1%. A soja poderá bater seu recorde, com 124,2 milhões de toneladas (crescimento de 8%).
Avacalhada pelos “agrotrogloditas”, a lavoura brasileira tornou-se uma história de êxito, poluída por ignorâncias e sujeita a picaretagens.
A segunda boa notícia é que saiu a edição brasileira do livro “Alimentando o mundo — O surgimento da moderna economia agrícola do Brasil”, dos professores Herbert Klein e Francisco Vidal Luna. É coisa de craques e mostra o vigor e a competência do agronegócio. Por exemplo: em 1999, o Brasil tinha seis mil estudantes de Agronomia. Em 2007 eles eram 48 mil. Entre 1998 e 2017 foram produzidas oito mil dissertações de mestrado e três mil teses de doutorado.
Klein e Luna mostram como a agricultura modernizou-se depois de abertura da economia, tornando-se internacionalmente competitiva. Já a indústria, contaminada pelas boas relações, protegeu-se e atolou.
Galeria ilustre
Durante sua passagem por Miami, Jair Bolsonaro foi ao ateliê do pintor Romero Britto, recebeu um retrato de sua ilustre figura e deu algumas pinceladas noutro, de sua mulher.
Britto é o Diego Velázquez desses novos tempos. Ele já retratou Sérgio Cabral, madame Adriana Ancelmo e Dilma Rousseff.
Boa briga
A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) sugeriu ao governo que declare a caducidade de uma malha da concessão da ferrovia Transnordestina. É mais um capítulo da briga de sombras que envolve a companhia FTL, controlada pela Companhia Siderúrgica Nacional, do empresário Benjamin Steinbruch.
A malha, que passa por Piauí, Ceará e Pernambuco, teria 1.753 quilômetros. A obra atravessou os governos Lula, Dilma e Temer, mas está parada desde 2017. Disseram que custaria R$ 4,5 bilhões e hoje está orçada em R$ 7,5 bilhões.
História Nova
Um curioso que conhece Brasília e sabe História lembra que Lula não foi o primeiro a atribuir as guerras do século XX ao interesse dos americanos pelo petróleo.
O fundador dessa nova corrente pode ter sido o ministro Ricardo Lewandowski. Em fevereiro, durante uma sessão do Supremo Tribunal, ele disse o seguinte:
“Sabemos, aqueles especialmente que se dedicam ao estudo da História, quantas guerras mundiais foram deflagradas em razão do petróleo, da dominação das áreas petrolíferas, do gás, do xisto etc. A 1ª Guerra Mundial, a 2ª Guerra Mundial…”
Nenhuma das duas teve a ver com petróleo.
O TCU e o jabuti
O subprocurador-geral do Tribunal de Contas da União, Lucas Rocha Furtado, oficiou à Controladoria-Geral da União para que lhe remeta as informações disponíveis sobre a escalafobética licitação para a compra de 1,3 milhão de computadores e notebooks destinadas à rede pública de ensino. Fez muito bem, pois era um negócio bichado de R$ 3 bilhões e, numa só escola de Minas Gerais, cada estudante receberia 117 laptops.
A CGU viu o jabuti, acionou o alarme e o pregão foi anulado. Como ninguém mais se mexeu, ficou a pergunta: Quem botou o bicho na árvore? É o que Rocha Furtado quer saber.
Fiocruz
A pandemia do coronavírus poderia levar o ministro Luiz Henrique Mandetta a dar uma olhada no caso dos pesquisadores aprovados num concurso de 2016 para preencher vagas na Fiocruz.
Eles foram aprovados, mas excederam as vagas disponíveis. Como a Fiocruz teve seu quadro de servidores drenado, bastaria preencher com esses profissionais as novas vagas.
No INSS acharam que preencher vagas era bobagem. Deu no que deu.
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