- O Estado de S.Paulo
Brasil enfrenta pandemia e crise econômica sem liderança segura
O Brasil viveu na semana passada o ensaio geral do que deve ser um período de restrições da vida diária das pessoas, crise econômica com extensão imprevisível e possibilidade de colapso do sistema de saúde. À frente desse quadro, um governo que tem um Ministério da Saúde tentando organizar uma resposta técnica à pandemia do novo coronavírus, mas um presidente que ainda demonstra incapacidade de liderar.
A fase aguda da epidemia no Brasil foi precedida de um desarranjo geral promovido por exclusiva obra e graça de Jair Bolsonaro e seu entorno mais amalucado.
O presidente, só nos menos de três meses deste ano, comprou briga com Sérgio Moro e com o Congresso, promoveu mexidas aleatórias no Ministério, enquanto mantinha ministros ineptos ou acusados de corrupção ou ambos, segurou as reformas estruturais, convocou e depois desmobilizou a contragosto manifestações de viés golpista, desdenhou dos riscos do coronavírus, entregou seu posto a um humorista e disse que a eleição que venceu foi fraudada.
Esqueci algum fato? Com certeza, já que não é possível dar conta do arsenal diário de crises bizarras provocadas por Bolsonaro contra seu próprio governo.
Despiciendo, neste momento, especular por que ele faz o que faz. Cortina de fumaça para desviar a atenção de outros assuntos? Preparação de algum plano de supressão da democracia tendo cavaleiros templários como exército, mais à frente? O fato é que esse surto de bobagens tirou a concentração do Brasil do que deveria ter sido feito desde que a China parou: nos preparar para os desafios econômicos, de saúde e sociais que certamente viriam.
O Congresso, alvejado por Bolsonaro e mais preocupado em assegurar seu quinhão do Orçamento, ajudou com sua cota de irresponsabilidade ao, já depois do derretimento dos mercados e do alarme de que o coronavírus viria para valer, aprovar uma sangria de R$ 20 bilhões nas contas públicas para se vingar do presidente.
E é com esse pessoal que o País vai ter de se virar diante da esperada escalada rápida da pandemia por aqui. Um senador que esteve na comitiva presidencial se gaba de ter encontrado meia República, abraçado e beijado todo mundo. O filho do presidente, que já chegou a ser cotado para embaixador em Washington, protagoniza uma comédia pastelão com a Fox News ao desinformar sobre a saúde do próprio pai e levar temor aos Estados Unidos quanto à de Donald Trump.
O ministro da Educação, o inacreditável Abraham Weintraub, chegou a celebrar nas redes sociais a possibilidade de uma educadora crítica a sua gestão ter contraído a doença. Isso dias antes de integrantes do próprio governo terem sido atingidos, uma vez que, por óbvio, pandemia não conhece ideologia.
Mesmo com um contrariado Bolsonaro tendo pedido que as manifestações ficassem para depois, ainda hoje há fanáticos irresponsáveis instando as pessoas a irem às ruas defender reformas que o governo não enviou ao Congresso. E contaminar os próprios apoiadores!
Com esses despreparados no controle, nós que lutemos!
Não é de se estranhar que comece a faltar mantimentos, álcool em gel seja vendido a peso de ouro e as fake news sejam propagadas em velocidade maior que o vírus: as pessoas se sentem entregues à própria sorte, a despeito dos esforços louváveis do Ministério da Saúde.
O presidente falou que tudo era fantasia da mídia, poucos dias antes de ter de passar por (dois? três? quantos? Não se sabe, pois não há informação oficial confiável) testes para detectar se foi infectado.
Momentos dramáticos como esse só mostram a importância da ciência e do jornalismo sério, dois pilares da democracia que têm sido vilipendiados no Brasil e no mundo. Que a crise tenha ao menos o efeito de despertar as pessoas para isso.
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