domingo, 15 de março de 2020

Eliane Cantanhêde - Isolamento

- O Estado de S.Paulo

Presidente, bananas não salvam vidas e não reduzem danos numa economia já combalida!

Tudo o que este mundo enlouquecido precisava para um freio de arrumação era um inimigo comum a toda a Humanidade, mas veio o novo coronavírus e o que se vê, assustadoramente, é o contrário: os líderes aproveitando para reforçar fronteiras e se isolar ainda mais, enquanto o presidente Jair Bolsonaro se ocupa em dar bananas para jornalistas, incorrigível, entre um teste e outro para o vírus.

A história está cheia de exemplos comprovando que é nos piores momentos que se forjam os grandes líderes, mas o inverso também é verdadeiro: nas crises, líderes ou emergem ou desaparecem. Há décadas não se vê uma crise da dimensão atual. Vamos ver quem sobrevive e quem sucumbe.

O novo coronavírus contamina as pessoas e as economias de países de todos os continentes. Nos dois casos é potencialmente letal e ele veio com tudo justamente num ambiente de desaquecimento global e quando a migração é uma das questões mais graves na agenda internacional. É hora de testar os líderes, saber quem tem ou não visão estratégica e grandeza pessoal. Restarão poucos, nesses tempos de Trump, Putin, Erdogan e tantos outros.

No Brasil, o presidente deveria aproveitar o isolamento para deixar de lado a obsessão por bananas, parar de atacar tudo e todos e refletir sobre sua imensa responsabilidade. O mundo está em crise, o Brasil está em crise, os casos de coronavírus vão disparar, a Bolsa teve a maior queda desde 2008, são 12,5 milhões de desempregados. E, antes mesmo do tsunami, o pibinho já foi de 1,1%.

A economia brasileira não tem margem para piorar. E vai piorar. As previsões de crescimento já não eram animadoras e agora não param de cair, deixando no ar a sensação – ou o pavor – de uma nova recessão. Logo, o governo precisa fazer um malabarismo estonteante para dar suporte a setores estratégicos sem explodir as contas públicas.

Quem tem a caneta e o poder de decisão é o presidente e, goste-se ou não, lamente-se ou não, trata-se de Jair Bolsonaro. Como ele não tem conhecimento e não manifesta interesse, significa que é o ministro Paulo Guedes quem está no centro do furacão.

Na Saúde, como dito aqui desde o início, a forte cultura e os quadros de excelência da saúde pública, mais a grata surpresa que é Luiz Henrique Mandetta, estão fazendo sua parte. Ao contrário do que ocorreu, por exemplo, na Itália e nos EUA, onde as mortes já passavam de 40 e não havia nem estatísticas sobre contaminados quando Donald Trump enfim anunciou emergência e abriu as torneiras.

Distante de disputas partidárias, o ministro da Saúde prepara o País para a rebordosa. Contratou leitos de UTI à disposição dos Estados, encomendou 17 milhões de máscaras hospitalares da China para o pessoal de Saúde, antecipou a maior operação de vacinação do mundo, com 75 milhões de doses contra a influenza.

Na economia, todos parecem atordoados, mas a expectativa é de um pacote de medidas amanhã. Assim como Mandetta, Guedes precisa agir para reduzir danos. A diferença é que um foi mais previdente e o outro corre atrás do prejuízo, sem que o presidente demonstre real compreensão da situação. Guedes bate na tecla das reformas e Bolsonaro bate no Congresso, até mesmo ao desarticular as manifestações previstas para hoje.

Assim como não há vacina nem tratamento específico para a covid-19, só paliativos, também na economia não havia como impedir a crise e não há tratamento sem dor para um país parado, com as pessoas evitando viajar, circular, comprar, os serviços esvaziando e as empresas esfarelando nas bolsas ou em solo, como as companhias aéreas. Mas há, sim, como evitar um número maior de vítimas e um prejuízo maior. O presidente, se não consegue ajudar, deve aproveitar o isolamento para não atrapalhar.

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