sexta-feira, 5 de junho de 2020

Dólar dá trégua após a primeira onda da pandemia – Editorial | Valor Econômico

Recuo do dólar melhora as condições para novo corte da Selic

A primeira onda do coronavírus está prestes a passar, a economia na maior parte dos países parece ter batido no fundo do poço em abril e empreende agora uma lenta e cautelosa retomada, que começa a aparecer nas estatísticas, com desempenhos menos horríveis do que foram. O auge do pânico com a pandemia coincidiu com a preferência pela liquidez de bancos e empresas - uma corrida ao dólar, um porto seguro - e por injeções recordes de recursos pelos principais bancos centrais do mundo. Com o início da recuperação, ainda que sujeita a sobressaltos, o dólar começa a se desvalorizar, após dois anos de apreciação ininterrupta. O movimento favorece o real, a moeda que mais perdeu valor no ano.

Todos os BCs, inclusive o brasileiro, agiram com muito mais vigor para sustentar a economia e o sistema financeiro do que o fizeram durante a crise de 2008, nascida no sistema bancário americano. A pandemia atacou a produção e o consumo impiedosamente e o escopo das ações das autoridades monetárias foi muito mais amplo que então. Em termos de suprir liquidez e amparar empresas e cidadãos, foram injetados mais que o dobro de recursos do que em 2008.

No auge da crise financeira, o balanço dos BCs dos EUA, Europa, Japão e China atingiu US$ 9 trilhões - US$ 4,5 trilhões apenas o do Fed americano. Agora, segundo a Yardeni Research, eles chegaram a US$ 24 trilhões. Mais do que em 2008, o Fed correu para garantir swaps de moeda com os principais BCs do mundo, o que garantiu a oferta de dólares a investidores com dívidas e posições nesta moeda nas principais praças financeiras.

A maior diferença com 2008, intimamente ligada à natureza da crise, a pandemia, foi o lançamento de robustos pacotes fiscais de apoio em complemento às ações de BCs como o Fed, que passou a comprar diretamente títulos de empresas privadas. Há mais a caminho. “A política monetária e a fiscal caminham de mãos dadas”, disse ontem a presidente do Banco Central Europeu, ao anunciar a ampliação, em mais € 600 bilhões, do programa de compras emergenciais de bônus, que agora se estenderá até junho de 2021. Com isso, o programa somará recursos de € 1,35 trilhão. Esse valor, em tese, é suficiente para o BCE comprar todo o endividamento adicional motivado pela pandemia na zona do euro este ano, estimado em até € 1,5 trilhão. O balanço do BCE é hoje de € 5,5 trilhões.

A Europa, e sua principal economia, a Alemanha, lançaram iniciativas de peso para socorrer empresas, bancos e consumidores. A Comissão Europeia anunciou recentemente um plano de apoio de € 750 bilhões, uma iniciativa histórica para financiar os países de forma transitória, driblando os governos mais austeros que sempre se recusaram a permitir que o BCE financiasse países com déficits mais altos, como a Itália.

A reviravolta na Alemanha surpreendeu quem se acostumou com os 15 anos de governo Merkel. Primeiro, foram anunciados € 820 bilhões do Tesouro em garantia a empréstimos a empresas de todos os portes. Ontem, foi a vez de um pacote fiscal de € 130 bilhões, que inclui corte de 2 pontos percentuais no principal imposto, o IVA, € 300 de bônus para cada criança nas famílias, mais investimentos em infraestrutura com vistas à transição rumo a economia verde, com foco em transporte e digitalização. A estes pacotes se somam o de US$ 2,2 trilhões dos EUA, que preparam mais um, na casa de US$ 1 trilhão, e outro de US$ 1,07 trilhão no Japão.

As rápidas iniciativas do Fed, reduzindo juros para perto do zero e dando toda a liquidez que fosse necessária aos mercados, foram determinantes para o início de inflexão do dólar valorizado. O diferencial de juros entre EUA e Europa caiu e ontem os títulos soberanos de 10 anos de países em dificuldades, como a Itália, rendem mais que os americanos de igual maturidade - 1,40% ante 0,81%, ontem. O perigo de default soberano após a rede de proteção armada pelo BCE é inexistente. Na média, os EUA deverão ter uma contração menor que a da zona do euro - -5,9% ante -7,5% -, mas em 2021 crescerão à mesma velocidade, nas projeções do FMI, amenizando outro dos fatores que beneficiavam o dólar.

O cenário tornou-se mais distendido para o real, que carrega o peso extra de uma crise política sobre os da sanitária e econômica, depois que a disparada do dólar já parecia ter se descolado dos fundamentos. Após encostar em R$ 5,9, estava ontem em R$ 5,12, um refluxo que pode perdurar por algum tempo (a depender da pandemia) e que melhora as condições para novo corte, para 2,25%, da taxa Selic.

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