- O Estado de S.Paulo
Resistir e unir é preciso, mas sem criar pretextos e ambiente favorável a golpistas
A ida às ruas de torcidas organizadas e de grupos pela democracia no Rio, São Paulo e Curitiba serviu como aperitivo. E não foi aprovada. A intenção é boa, o temor com a audácia dos atos golpistas existe e resistir à escalada contra as instituições é preciso. Mas há que se considerar a questão da oportunidade e da forma: quem, como, quando, onde e por que, tal como no jornalismo.
Há que se investigar a possibilidade de infiltrados, de “black blocs”, no movimento pela democracia para promover vandalismos e confrontos com as polícias. Se você dá um espirro hoje, tem sempre uma câmera ou um celular por perto, mas não há um só registro do momento em que o ato pacífico descambou na Avenida Paulista. Com pedrada de manifestante? Ou com bombas de efeito moral da polícia? A única imagem de infiltração é daquela bolsonarista com um taco de beisebol (beisebol?!)...
Assim, a união de corintianos e palmeirenses pela democracia, que merece aplausos, produziu comparações incômodas com atos bolsonaristas. De um lado, as torcidas com gente parruda e agressiva, vestida de preto e em ritmo de guerra. Do outro, famílias até com crianças usando os símbolos e cores nacionais (da maioria...), como se estivessem passeando.
Imagem é tudo e, nesse confronto, inverteram-se objetivos e percepções. Afinal, os parrudos de preto defendem a democracia, os princípios, as boas causas, enquanto as aparentemente inocentes famílias usam a bandeira nacional contra a democracia, o Supremo e o Congresso.
No dia seguinte aos choques dos novos manifestantes com as polícias dos governadores João Doria e Wilson Witzel, de oposição, o presidente Jair Bolsonaro, que confraterniza alegremente e até a cavalo com golpistas em plena pandemia, chamou de “marginais” e “terroristas” os que passaram a dividir as ruas com seus apoiadores. Já o vice Hamilton Mourão acusou a novidade paulista de “baderna” e indagou em artigo no Estadão: “Aonde querem chegar? A incendiar as ruas do País, como em 2013?”
Quem defende a democracia é “terrorista” e faz “baderna”. Quem prega golpe contra a democracia é e faz o quê? E, enquanto Bolsonaro e Mourão condenavam os manifestantes pró-democracia, setores bolsonaristas faziam uma leitura enviesada do artigo 142 da Constituição para defender o uso das Forças Armadas contra os Poderes. São movimentos isolados?
Líderes da saudável resistência de instituições, partidos, entidades e cidadãos pró-democracia vêm-se declarando contra atos de rua fora por causa da pandemia. Se os bolsonaristas fazem aglomeração, problema deles, os pró-democracia são também pró-ciência, isolamento social, vida. Mas esse não é o argumento principal.
O pedido para não disputar as ruas agora tem base mais complexa: a desigualdade, literalmente, de armas. De um lado, juristas, artistas, intelectuais e cidadãos se armam com as palavras e manifestos. De outro, Bolsonaro amplia a munição disponível para a sociedade, enquanto reduz a fiscalização das armas de civis e milícias; atiça o bolsonarismo contra governadores, enquanto adula as polícias estaduais – ou seja, deles.
Convém, assim, avaliar o risco de atos contra Bolsonaro provocarem confrontos desiguais com milícias e polícias e até justificativa para convocação das Forças Armadas. Vira e mexe, militares e o entorno do presidente se referem a um cenário de caos social que não interessa a ninguém, a não ser a golpistas.
Líderes responsáveis e do bem têm de desprezar o egocentrismo do ex-presidente Lula e mobilizar o centro, unir as esquerdas, buscar alianças com a direita democrática e resistir. Mas sem criar pretextos e ambiente favorável para golpes defendidos à luz do dia, com estímulo e empurrão de... vocês sabem de quem.
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