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A história da primeira-dama que preferiu cuidar das unhas a cuidar do filho da empregada
E se tivesse ocorrido o contrário? E se fosse Mirtes Renata de Souza, empregada doméstica, moradora de um bairro pobre do Recife, quem tivesse ficado no apartamento a cuidar do filho de 5 anos da patroa que saíra para passear com o cachorro da família?
E se diante da reação do menino que queria ir ao encontro da mãe e correra para o elevador, Mirtes, primeiro, tentasse retirá-lo dali. Desistisse de fazê-lo depois da segunda tentativa. Então apertasse o botão de um andar superior e voltasse ao apartamento.
A porta se fecha. O elevador sobe do quinto para o nono andar. Sozinho, o menino desembarca em uma área de serviço do prédio onde há uma sacada. Debruça-se na sacada na tentativa de avistar a mãe. Então despenca de uma altura de 35 metros e morre.
Foi Mirtes quem saiu para passear com o cachorro da família de Sérgio Hacker Corte Real (PSB), prefeito do município de Tamandaré. Sari, a primeira-dama, ficou no apartamento a fazer as unhas com uma manicure e a cuidar de Miguel, filho de Mirtes.
Antes da pandemia, Miguel passava o dia na escola e as tardes na creche. A prefeitura de Tamandaré paga um salário mínimo para que Mirtes dê conta dos afazeres domésticos dos Corte Real. Com a pandemia, Miguel começou a acompanhar a mãe no trabalho.
Mirtes com a palavra:
“Eu não consigo mais entrar no quarto [onde Miguel dormia] Eu vejo a cama do meu filho, mas não vejo meu filho. Eu olho para aquela bicicleta, mas não vejo meu filho na bicicleta. Eu olho para todos os cantos da casa e não vejo meu filho. Tá muito difícil”.
Ao retornar do passeio com o cachorro, Mirtes foi avisada pelo zelador do prédio que alguém havia caído lá do alto.
“Quando eu abri a porta, eu vi meu filho ali, estirado no chão. ‘Meu filho, não deixa mãe, filho’. Aí eu peguei, devagarzinho, virei ele. Eu disse ‘meu amor, meu amor, mamãe tá aqui, não deixa mamãe, respira’. Toquei [no pescoço dele]. Ele ainda respirava”.
Mirtes gritou pedindo a ajuda da patroa, que desceu junto com um médico, morador do prédio, e levou Miguel para o Hospital da Restauração, onde ele já chegou morto.
“Não demorou muito e veio a notícia que meu filho virou estrelinha, que tá lá junto com Jesus e Maria. Ele tá lá no colinho de Maria. Eu pedi para Jesus tirar a minha vida e dar a ele para ele permanecer vivo porque ele era minha razão de viver”
Mirtes acredita que “faltou paciência” à patroa, a quem precisou entregar Miguel enquanto passeava com o cachorro.
“No período que eu estava andando com a cadela, que [Miguel] entrou no elevador, não tiveram paciência de tirar ele de lá, pegar pelo braço e ‘saia’. Porque se fossem os filhos da minha patroa, eu tiraria. Ela confiava os filhos dela a mim.”
O que o futuro reserva a Mirtes?
“Eu vou lutar, eu vou batalhar nem que eu vá morar debaixo da ponte, mas eu vou batalhar para que a morte do meu filho, meu único filho seja resolvida, que a justiça seja feita”.
Sari, a patroa de Mirtes, foi presa em flagrante, levada para delegacia onde depôs e liberada no mesmo dia depois de pagar a fiança de R$ 20 mil. O delegado Ramón Teixeira não nega que a responsabilidade legal pela criança naquele momento era dela.
Mas entende que isso não é suficiente para classificar o que aconteceu como um homicídio com dolo eventual. O governador de Paulo Câmara informou que tudo será apurado com rigor. O Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) explicou em nota:
– A autoridade policial pode conceder fiança nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a 4 anos, segundo o Art. 322 do Código de Processo Penal. No caso de acusação por homicídio culposo a pena, segundo o Art. 121 do Código Penal Brasileiro, é de 1 a 3 anos de detenção. Após concluído, o inquérito policial será remetido para o Ministério Público, que pode oferecer denúncia ou pedir o arquivamento. Se for oferecida a denúncia do acusado, o juiz no âmbito do Tribunal analisa o recebimento.
O corpo de Miguel foi enterrado ontem. Em 24 horas, uma petição que cobra justiça pela morte dele já foi assinada por 407 mil pessoas no Recife, um quarto da população.
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