A semana do meio ambiente nos coloca a necessidade de refletir sobre as nossas relações com o planeta e as mudanças necessárias para enfrentarmos os complexos desafios da sociedade atual na perspectiva de construção de relações sustentáveis da própria humanidade entre si e com a natureza.
A pandemia, vivida por toda a humanidade, está evidenciando ainda mais a insustentabilidade do mundo em que vivemos. O que podemos fazer frente a esta realidade, durante e pós pandemia, na busca da sustentabilidade?
Desde a Revolução Industrial, quando as máquinas são incorporadas aos processos produtivos, modifica-se radicalmente a escala de produção e de consumo, colocando-se a necessidade de ampliação dos mercados, além do Estado nacional, criando-se novas relações políticas, econômicas e sociais, na vida urbana e rural.
Desencadeou-se um processo vertiginoso de transformação da vida cotidiana, modificando a maneira de ser e agir da humanidade, impactando, como nunca antes na história, os ecossistemas e a biodiversidade do planeta.
Consolidou-se uma lógica de produção e consumo que, histórica e atualmente, mostrou-se insustentável. Coloca-se a necessidade de construir uma outra perspectiva de sociedade, ampliando as formas e os conteúdos da democracia, a partir de novas relações políticas, econômicas e sociais.
Estas as questões estruturais a serem enfrentadas para a construção de uma sociedade sustentável, necessária para a sobrevivência de toda a humanidade e do próprio planeta.
Vamos fazer esta travessia? Ou queremos nos autodestruir, destruindo os ecossistemas do planeta, com o atual modelo de sociedade, responsável pela destruição da vida, tanto nos períodos de guerras quanto nos de paz, excluindo bilhões de pessoas das conquistas sociais modernas?
Quais são os agentes políticos, econômicos, sociais e ambientais que serão responsáveis por tais mudanças?
Atualmente, as principais economias mundiais, concentradas no G20, particularmente os Estados Unidos, a China e a Rússia, consomem mais da metade dos recursos naturais do planeta. Estes grupos de países têm uma responsabilidade maior na perspectiva de transformação desta nossa realidade. As ações que deveriam ter sido implementadas a partir da Agenda 21(ECO-92), particularmente em relação às mudanças climáticas, continuam sendo adiadas com danos irreversíveis aos ecossistemas planetários, com reflexos econômicos e sociais negativos na vida de milhões de pessoas, em todos os continentes.
Desde então, ficou evidente a necessidade de considerar as variáveis econômicas, sociais e ambientais em qualquer escala territorial, tanto a nível mundial, quanto a nível nacional e regional, em busca da sustentabilidade.
Iniciou-se um processo de tomada de consciência e de discussão das questões ambientais, em função dos graves problemas decorridos do modelo industrial e urbano, da concentração de populações nas cidades e polos industriais, ampliando o nível de poluição das águas, da atmosfera e dos solos, impactando, cada vez mais, os ecossistemas do planeta.
Em 2012, na última Conferência Mundial da ONU, a RIO+20, o cenário era de frustração no tocante ao que foi discutido e consolidado na ECO92, no Rio de Janeiro, principalmente em relação às metas da Agenda 21 e às medidas que deveriam ser tomadas para minimizar os efeitos das mudanças climáticas, que vem causando danos irreversíveis aos ecossistemas planetários, impactando populações em regiões litorâneas com o aumento do nível do mar, em todo o planeta.
Por outro lado, constata-se de maneira positiva, a ampliação da consciência mundial dos movimentos políticos e sociais, como também uma participação, cada vez mais ampla, da comunidade científica e da sociedade civil nessa discussão, buscando tratar, com a urgência devida, as questões relacionadas à degradação dos ecossistemas, das mudanças climáticas e da exclusão social, sinalizando a necessidade de uma nova economia, de baixo consumo de carbono, variáveis a serem consideradas no caminho da sustentabilidade econômica, social e ambiental.
Assim, em um contexto de crises econômicas recorrentes do capitalismo, desde a década de 1980, até as mais recentes nos Estados Unidos, em 2008, e na Comunidade Européia, ficam a desejar os avanços no caminho desta almejada sustentabilidade.
Desde então, amplia-se a prevalência do capital financeiro em relação ao capital produtivo, atingindo as conquistas do Estado de Bem Estar Social, na Europa, colocando populações e países em situação de graves retrocessos políticos, econômicos e sociais. A situação é mais grave na Ásia, na África e na América, com realidades políticas, econômicas e sociais, ainda mais vulneráveis.
Em relação à realidade brasileira, os desafios históricos continuam atuais, agregando-se novos desafios para a construção de uma sociedade democrática, com uma outra perspectiva política, para a construção de fundamentos de uma nova economia, social e ambientalmente sustentáveis.
A pandemia explicitou, de maneira contundente, as contradições da nossa sociedade, agravadas com a crise política e de valores, desencadeada pelo governo do presidente Bolsonaro.
O Brasil atual é uma das sociedades com maiores índices de exclusão social e concentração de riquezas do planeta. A população brasileira de 200 milhões de pessoas, concentra, na mão de 200 mil pessoas, a propriedade da metade da riqueza nacional.
Como mudar essa realidade?
Nosso processo de urbanização acelerada, a partir dos anos 70, agravou as questões relacionadas à segurança pública, mobilidade, saneamento básico, moradia, educação e saúde, chamando a atenção para os graves problemas a serem enfrentados pela sociedade brasileira.
Nossa economia continua com uma forte dependência às principais economias mundiais como fornecedora de matérias-primas, água, energia e mão de obra. Continua dependente do valor das commodites, com uma vulnerabilidade muito grande em relação ao mercado mundial. Nos últimos anos, agravou-se esta situação, com a diminuição do setor industrial na participação do PIB brasileiro.
Neste cenário internacional de ameaças e oportunidades, o Brasil, pela sua dimensão territorial, pelas riquezas naturais, pela base técnica e científica que construiu, aliado ao ativismo da sociedade civil e da diplomacia brasileira, tem jogado um papel relevante na discussão de uma perspectiva sustentável desde a RIO+92, apesar do comportamento do atual governo, que nos tem tirado de cena dessas discussões mundiais, em plena pandemia, podendo trazer retrocessos significativos ao trabalho duramente construído pela sociedade brasileira, nas últimas décadas.
Portanto, coloca-se o imperativo de um diálogo permanente entre as forças políticas, econômicas e sociais, nacionais e internacionais, no sentido de uma nova configuração das organizações multilaterais, incorporando, efetivamente, o caráter de urgência dessas mudanças, a serem realizadas pela ONU, FMI, Banco Mundial, OMC, OIT, Comunidade Europeia, BRICs e Mercosul, entre outros, desafiados a desenvolver políticas de cooperação internacional de maneira integrada, que avancem para a sustentabilidade mundial, nacional e regional.
O Brasil deve aproveitar a pandemia.como um importante momento de reflexão coletiva, avançando nas reformas tão necessárias à sociedade, apostando em um novo pacto político, econômico e social que ajude a avançar a democracia brasileira, rumo a este futuro desejado.
Como viabilizar a sustentabilidade econômica, social e ambiental?
Precisamos de diálogo permanente entre os entes federativos e a sociedade, e da construção de consensos entre os diversos atores políticos, econômicos e sociais para a implementação de políticas públicas sustentáveis.
A falta de uma visão sistêmica e de diálogo permanente entre os entes federativos são fatores limitantes no processo de construção e de implementação das políticas públicas sustentáveis no Brasil.
Via de regra, os grandes programas e projetos nacionais construídos no Brasil não incorporam a questão ambiental como um valor estratégico. Criam maneiras e artifícios para o não cumprimento da legislação, acarretando, muitas vezes, graves acidentes e impactos sociais e ambientais. O mais recente acidente ambiental, acontecido na cidade de Mariana, no estado de Minas Gerais, considerado como o maior acidente ambiental na área de mineração do planeta, é uma demonstração inequívoca deste comportamento.
Neste contexto, coloca-se a necessidade de identificar as contradições e os conflitos econômicos, sociais e ambientais da sociedade brasileira, abrindo novas perspectivas para a construção de uma outra sociedade, através de um pacto político e social a ser realizado entre o Estado, o mercado e a sociedade civil, com a participação ativa da cidadania.
Devemos trabalhar ainda a sustentabilidade no Brasil, em função das suas potencialidades: biodiversidade, território, riquezas minerais, água, energia solar e eólica, em sintonia com os necessários investimentos em educação, ciência e tecnologia. Os limites impostos à economia, baseada em carbono, colocam o Brasil em uma situação de destaque, em relação à questão ambiental, com vantagens comparativas, a caminho da sustentabilidade desejada pela maioria da sociedade .
A superação do atual modelo de desenvolvimento brasileiro, insustentável, desafia a construção de novas relações políticas, econômicas e sociais entre os diversos atores do Estado, do mercado e da sociedade civil. O processo de conscientização e crítica ao modelo de desenvolvimento atual, cria as condições políticas, econômicas e sociais para a construção desta perspectiva sustentável para o Brasil.
Finalmente, há que se compreender e trabalhar os conflitos sociais e ambientais como parte integrante da história da humanidade em suas relações com a natureza, procurando entender as contradições da sociedade atual, buscando soluções, sobretudo identificar as diferenças e os reais interesses entre os diversos atores sociais em questão, criando os fundamentos de novas relações políticas para a construção da sociedade futura, que se almeja sustentável.
*Professor Doutor da UFBA e do Instituto Politécnico da Bahia
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