sábado, 6 de junho de 2020

Apoio a manifestações de rua amplia as divisões na esquerda

Inicialmente, havia uma consenso entre líderes de que os riscos da Covid-19 e a eventual violência dos atos poderia ajudar a fortalecer o discurso de Bolsonaro

Gustavo Schmitt | O Globo

SÃO PAULO — O apoio do PT e de membros do PSOL às próximas manifestações em defesa da democracia e contra o presidente Jair Bolsonaro aprofundou a divisão nos partidos de esquerda. Legendas como PSB, PDT, Rede, PCdoB e Cidadania aconselharam as pessoas a não irem para as ruas por causa da pandemia.

Inicialmente, havia consenso entre líderes dos partidos de esquerda sobre os riscos da Covid-19 e também de que a eventual violência dos atos poderia ajudar a fortalecer o discurso de Bolsonaro sobre o uso inclusive das Forças Armadas na repressão a atos futuros.

O senador Jaques Wagner (PT-BA), vice líder no Senado, chegou a assinar uma nota conjunta com outras siglas que não recomendavam a participação nos atos. O PT, no entanto, divulgou uma nota posterior apoiando as manifestações. O partido disse que Wagner não tinha conhecimento da posição. Parlamentares afirmam que a legenda acabou cedendo à pressão de movimentos sociais. O PT diz que não irá convocar pessoas e nem participar formalmente, mas defende a legalidade dos atos e apenas recomenda cuidados como a utilização de máscaras.

O presidente do PSB nacional, Carlos Siqueira, criticou a postura do PT:

— É uma posição que me parece equivocada. Nesse momento temos que ter responsabilidade com a vida das pessoas — afirmou.

Na tarde de ontem, o PSB divulgou nota com o alerta de que “não é hora de tomar as ruas” em razão da disseminação da Covid-19.

O presidente do PDT, Carlos Lupi, foi no mesmo tom.

— O PT tem suas posições. Mas a gente fica incoerente se incentiva as manifestações ao mesmo tempo que cobra do Bolsonaro o respeito ao isolamento social.

Uma das vozes mais contundentes na oposição a Bolsonaro, o governador Flávio Dino (PCdoB-MA) também se disse contrário à presença em atos de rua.

— A nossa posição é de resistência democrática em relação ao governo, mas sabemos que agora não é o momento adequado de ir para a rua — disse Dino.

No PSOL, o ex-candidato à presidência Guilherme Boulos, que lidera o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), anunciou participação nos próximos atos na cidade de São Paulo. Boulos esteve inclusive na reunião convocada ontem pela Polícia Militar com o objetivo de separar as manifestações contra e a favor do presidente, inicialmente marcadas para o mesmo dia. Durante a semana, o governador João Doria havia proibido a realização de atos de espectros ideológicos diferentes em local e horário idênticos, a fim de evitar confrontos. Até a noite, não havia uma definição para o impasse.

À parte da política institucional, uma série de manifestos surgiu na internet nos últimos dias em defesa da democracia. Pelo menos três deles — o Basta!, formado por juristas, o Estamos Juntos e o Somos 70% — também se opuseram à participação nos atos.

— Respeitamos aqueles que vão às ruas, mas somos a favor do isolamento social e obedecemos a ciência — diz Sergio Renault, um dos representantes do Basta!.

Há ainda um outro movimento formado por intelectuais, alguns deles da USP, que tem divulgado um texto com um aviso para uma manifestação na semana que vem. O grupo não tem lideranças, prefere o anonimato e diz que foi criado para ajudar na organização de atos em defesa da democracia.

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