sábado, 6 de junho de 2020

Governo já entregou mais de 300 cargos a indicações políticas

Dados obtidos pelo GLOBO junto a aliados do governo dão a dimensão da disposição em abrir a administração federal a indicações políticas

Natália Portinari, Naira Trindade e Gustavo Maia | O Globo

BRASÍLIA — O movimento do governo de entregar ao centrão cargos de postos-chave do Executivo expôs a gestão de Jair Bolsonaro a duplo desgaste. Além da fragilidade no discurso pela composição com o grupo político atacado no passado pelo presidente e seus aliados mais próximos, o Planalto agora tem de se submeter a avaliar indicações de políticos envolvidos na Lava-Jato e no mensalão — um dos principais articuladores dessa aproximação, o deputado Arthur Lira (PP-AL) foi denunciado ontem à Justiça por corrupção passiva

Dados obtidos pelo GLOBO junto a aliados do governo dão a dimensão da disposição em abrir a administração federal a indicações políticas. Desde julho do ano passado, parlamentares já pediram a nomeação para mais de 700 cargos federais — em 325 deles, ou 45% dos casos, o pleito foi atendido. Cerca de 200 foram rejeitados pelo governo, e o restante ainda aguarda aprovação.

As nomeações no ano passado costumavam ocorrer para cargos menores. Mais recentemente, o governo ampliou a aproximação com o centrão, permitindo que entrassem nas negociações postos que cuidam de orçamentos mais robustos. No recorte dos últimos dois meses, o governo recebeu 88 pedidos de nomeações de parlamentares, dos quais só 11 deles foram atendidos após análise do Palácio do Planalto.

Algumas delas são emblemáticas. O Banco do Nordeste (BNB), com um presidente que durou um dia nesta semana, é um símbolo dessa relação conflituosa. O PL tentou emplacar três nomes no banco desde o início do governo. Um deles era o analista do Banco Central Flávio Cals Dolabella, acusado por um delator da Odebrecht de receber propina para vazar documentos sigilosos.

O governo acabou nomeando Alexandre Borges Cabral, indicado do PTB. Houve reclamação do ex-deputado Valdemar Costa Neto, condenado no mensalão, que controla o PL. O “Estado de S. Paulo” revelou em seguida que o Tribunal de Contas da União (TCU) investiga suspeitas de irregularidades em contratações quando Cabral presidiu a Casa da Moeda. O governo, então, decidiu pela exoneração um dia após a nomeação.

Segundo aliados, o governo estabeleceu um método para aprovar indicações. A primeira fase da análise prévia é do currículo do apadrinhado e de checagem da existência de vagas nos órgãos. Nesta etapa, que tem como base dados abertos, a equipe do governo responsável pelo filtro já encontrou incongruências, como pessoas com mais de um CPF válido.

Após este passo feito pela Secretaria de Governo (Segov), os nomes são levados aos ministérios para que sejam inseridos no sistema de checagem. Cada pasta é responsável por inserir os dados. Muitas vezes, nessa etapa, há um atraso de vários dias. Depois, os nomes passam por uma triagem da Agência Brasileira de Inteligência (Abin).

Consórcio para nomear
Os novos termos na relação com o centrão foram definidos após apresentação feita pela equipe da Segov a Bolsonaro, no Palácio da Alvorada, em fevereiro desse ano. O presidente ouviu que os cargos já eram ocupados com indicações do grupo na gestão de Onyx Lorenzoni na Casa Civil, mas sem controle direto por parte do governo dos índices de votação no Congresso, por exemplo.

Segundo envolvidos nas negociações, havia cargos que ainda estavam com o PT, mesmo o partido tendo deixado o poder em 2016. Um requisito imposto pelo governo, porém, é que o centrão não poderá ter acesso às secretarias financeiras e jurídicas das estatais, que serão comandadas por nomes do presidente.

A indicação para comandos de ministérios, por enquanto, estão fora de jogo, mas o centrão criou uma espécie de “consórcio” entre PL, PP, PSD e Republicanos. O grupo define entre si as indicações para cargos — que podem ser acatadas ou não, como aconteceu no Banco do Nordeste.

O grupo já conseguiu controle sobre órgãos importantes. O PP de Arthur Lira emplacou no comando do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), que tem orçamento de R$ 54 bilhões, Marcelo Lopes da Ponte, chefe de gabinete do senador Ciro Nogueira (PP-PI), outro réu na Lava-Jato. O partido também emplacou Fernando Leão na diretoria-geral do Departamento Nacional de Obras contra as Secas (Dnocs), posto cobiçado historicamente por políticos do Nordeste.

Há nomeações do grupo também para a secretaria de Mobilidade do Ministério do Desenvolvimento Regional, a Fundação Nacional de Saúde e a secretaria de Vigilância do Ministério da Saúde, sendo este último um posto da linha de frente no combate à Covid-19.

Terceiro escalão
Logo antes da exoneração de Cabral, o ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, disse em entrevista à rádio Bandeirantes que a média de aprovação de nomes sugeridos por políticos é de 50%. Ele disse, porém, que no serviço público processos são comuns, mesmo quando a pessoa “pode não ter culpa de nada”.

Apesar de a participação direta de Bolsonaro na aproximação com o centrão ser recente, Ramos negocia cargos com o grupo desde o segundo semestre do ano passado, quando entregou dezenas de nomeações de terceiro escalão. Os postos, no entanto, eram menos relevantes do que os tratados agora.

Procurado, o ministro afirmou que a Secretaria de Governo aperfeiçoou critérios para averiguar o currículo do indicado político, o que geraria insatisfação entre os parlamentares.

— Esse é um dos principais pontos de tensão na relação com deputados e senadores, que as pessoas não entendem. Agora existe um processo criterioso, previsto em lei, que se diferencia de governos anteriores — diz.

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