quinta-feira, 22 de outubro de 2020

Ascânio Seleme - La Catedral

- O Globo

Está claro que não havia razão para se dar licença ao Conselho de Ética e a outras comissões

Desde o início da pandemia, em março, o Conselho de Ética do Senado não funciona. A explicação é que se quer resguardar a saúde dos senhores senadores. Enquanto isso, 13 casos repousam nos seus escaninhos fechados à luz do sol. No mesmo dia em que o senador Chico Rodrigues (que foi apanhando com pacotes de dinheiro enfiados entre as nádegas) pediu afastamento por 120 dias, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, disse não ter pressa para julgá-lo.

Alcolumbre avisou que não vai reabrir o conselho apenas para atender a uma conveniência, que seria investigar o malfeito de Chico. Segundo ele, “há uma preocupação de muitos senadores em relação ao funcionamento do Senado, por conta do coronavírus. Então, eu não posso por uma conveniência, de um assunto ou outro, decidir sozinho isso. Eu tenho que dividir com todos que estão preocupados com o coronavírus".

Bobagem. Ou desculpa esfarrapada para não julgar o colega e empurrar o processo com a barriga como sempre se fez com casos de parlamentares encrencados. Funciona como máfia ou cartel, onde um membro defende o outro em favor da impunidade de todos.

O Senado opera muito bem remotamente. Aliás, o Congresso trabalha bem de maneira remota. As duas Casas aprovaram por videoconferência inúmeros projetos ao longo dos últimos seis meses, e em sessão conjunta votaram até mesmo emendas à Constituição, como a que mudou a data das eleições deste ano, a que instituiu as regras para o enfrentamento da pandemia, e até mesmo uma de natureza mais corriqueira, a que mexeu com o ICMS.

Está claro que não havia razão para se dar licença ao Conselho de Ética e a outras comissões. Aliás, muitas ações parlamentares não foram tomadas sob a alegação de que o distanciamento social impediria o seu andamento. Foi com essa desculpa que o deputado Rodrigo Maia sentou em cima de mais de 30 pedidos de impeachment contra Bolsonaro enquanto o presidente afrontava a democracia, insultava ministros do Supremo e a própria Corte, e participava de atos pelo fechamento do Congresso e do STF, ameaçando até mesmo dar um golpe.

No caso do dinheiro nas nádegas, Alcolumbre fez exatamente o que faria Renan Calheiros se estivesse em seu lugar. Retardou o seu andamento. O presidente do Senado marcou uma reunião para daqui a duas semanas discutir com a Mesa quando será oportuno reabrir o Conselho de Ética. E esta é a melhor prova de que dificilmente as coisas melhoram no Congresso. Por isso, aliás, desde março convenientemente não anda o processo movido contra um dos filhos do presidente da República.

O processo das rachadinhas do senador Flávio Bolsonaro dorme no escurinho do conselho. O zero mais velho também deveria ser ouvido por envolvimento com milícia, lavagem de dinheiro e contratação de funcionários fantasmas. Uma farra de falcatruas que repousa tranquilamente sem ser investigada. O presidente do conselho, senador Jayme Campos, bem que tentou retomar os casos, mas desde junho vem pedindo inutilmente a volta ao trabalho.

Com a ética licenciada, o senador da cueca se afastou voluntariamente por 120 dias e seu lugar será ocupado pelo filho suplente. Por isso, enganou-se também o ministro do Supremo Luís Roberto Barroso, que suspendeu o afastamento de Chico determinado anteriormente por entender que fora do cargo ele não exercerá pressão sobre os colegas. Na verdade, nem precisava, dado o corporativismo da casa. Ainda assim, ele sai mas deixa o filho, que fará a pressão em seu nome.

Por ora, está funcionando com Chico como funciona com outros parlamentares. Tem gente que até aceita uma punição, desde que seja nos seus termos. Lembra Pablo Escobar. Em 1991, o maior narcotraficante da história entregou-se às autoridades colombianas depois de atendidas todas as suas reivindicações. Até mesmo a cadeia onde cumpriria a pena foi construída por ele e guarnecida por seu homens. La Catedral era uma espécie de hotel onde Escobar fazia festas e recebia amigos, parentes, prostitutas e os traficantes que trabalhavam para o seu cartel.

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