Em
2020, estamos morrendo, mas o presidente só pensa em 2022. É capaz de qualquer
ato, o mais temerário que seja, para realizar seu plano. Ontem foi um dia em
que o Brasil perdeu tempo na nova desordem criada por Jair Bolsonaro. Ele
atacou a China, o governador João Doria, humilhou o general Pazuello e fez sua
revolta da vacina para agradar sua milícia digital. O presidente conspira
contra a saúde dos brasileiros para aplacar seus radicais.
Há uma minoria muito estridente nas redes que cobra dele provas de lealdade. Abraçado a políticos com dinheiro nas cuecas, com sua família toda enrolada, o presidente não pode mesmo entregar a promessa de combate à corrupção. Então ele cria conflitos com a China, com Doria, com a vacina para provar que permanece sendo o mesmo. Ele foi cobrado pelo acordo de intenção assinado com o governo de São Paulo e por isso deu o seu chilique.
O
Instituto Butantan é o maior fornecedor de vacina para o programa nacional de
imunização e tem a confiança do país. É óbvio que será um dos fornecedores,
caso a vacina desenvolvida na cooperação com a China passe bem por todo o
processo da Anvisa. Como disse ontem a agência, existem quatro “protocolos de
desenvolvimento vacinal” correndo na Anvisa e nenhum pedido ainda de registro.
Quando houver, será avaliado tecnicamente. O presidente da Anvisa, Antonio
Barra, procurava palavras para não sair do roteiro da agência. Barra é o mesmo
que em março foi para uma manifestação contra o Congresso junto com o
presidente, participando de aglomeração. Recebeu esta semana a aprovação do
Senado e agora tem mandato.
No
entorno do presidente a explicação dada pela manhã foi que Bolsonaro estava
dizendo que o governador Doria havia distorcido o que fora dito por Pazuello na
videoconferência. Doria divulgou o comunicado da reunião para mostrar o que
havia acontecido e que todo mundo tinha entendido, aliás. Uma intenção de
compra caso a vacina seja aprovada e tenha registro. Inventando uma briga
inexistente, Bolsonaro postou que qualquer vacina deverá ser comprovada
cientificamente e aprovada pela Anvisa. Mas fez isso escrevendo em caixa alta:
“A vacina chinesa de João Doria.” E conclui que não vai comprar a vacina.
Depois usou a palavra “traição” e era em relação ao ministro da Saúde.
Ao
atacar Doria, ele está tentando enfraquecer um suposto adversário de 2022. Ao
fazer sucessivas referências depreciativas à China, ele estigmatiza o país. Mas
mais do que isso: Bolsonaro agride nosso principal parceiro comercial e investidor
estratégico. Não ganhamos nada em tomarmos partido na nova guerra fria. O
interesse americano nessa briga não é o nosso interesse.
A
embaixada chinesa já havia soltado uma nota na terça-feira para rebater as
acusações do secretário americano, Mike Pompeo, e do conselheiro de Segurança
Nacional, Robert O’Brien, de que a China seria uma ameaça ao Brasil. No trecho
mais duro contra os americanos, os chineses disseram que os EUA tinham um
“histórico sujo” em segurança cibernética, com operações massivas de espionagem
contra vários países, incluindo o Brasil. Ontem, após a polêmica com a vacina,
o embaixador chinês, Yang Wanming, afirmou que investimentos chineses no Brasil
geraram mais de 50 mil empregos diretos e poderiam chegar a US$ 100 bilhões em
um período de cinco anos. Era uma forma de comparar com o que foi oferecido
pela missão americana. Perto do volume que precisa ser mobilizado para o
investimento em 5G, o US$ 1 bi de financiamento americano não é nada.
Num
mesmo ataque de nervos o presidente agrediu um parceiro estratégico, mostrou de
novo que não tem atributos para comandar uma federação, humilhou o ministro da
Saúde, justamente o mais submisso aos seus caprichos.
O pior, contudo, é que Bolsonaro atentou contra a saúde dos brasileiros. Ele espalha o vírus da desconfiança em relação a uma vacina que pode vir a salvar milhares de vidas. Desde o começo da pandemia ele já brigou com governadores, agrediu o STF, demitiu dois ministros da Saúde, defendeu remédios não comprovados, ajudou a disseminar o coronavírus com suas aglomerações e seu exemplo de desprezo à proteção. Bolsonaro é um atentado à saúde pública no meio de uma pandemia. E já são 155.459 os nossos mortos.
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