Vínculos
de Kassio Nunes com a OAB precedem Bolsonaro
O
desembargador Kassio Nunes Marques foi inquirido por quase dez horas, só
perdendo para a sabatina do ministro Edson Fachin (11 horas), mas duração não
foi reflexo de contenciosos. Com 57 votos favoráveis, 10 contrários e 1
abstenção no plenário do Senado, o novo ministro chegará ao Supremo Tribunal
Federal com uma aprovação menos contestada que a de Fachin (52 a 27), Gilmar
Mendes (57 a 15) e Rosa Weber (57 a 14). O quórum de sua aprovação aproxima-se
daquele de Dias Toffoli (58 a 9), o último dos ministros a ter um currículo tão
contestado quanto o de Nunes Marques. Apesar da pandemia, a votação teve a
presença de um número maior de senadores (68) do que a aprovação dos ministros
Cármen Lúcia (56), Marco Aurélio (54), Ricardo Lewandowski (67) e Luís Roberto
Barroso (65).
O
panorama da votação foi antecipado pelo voto em separado de Alessandro Vieira
(Cidadania-SE). O senador anotou que o desembargador “é a mais perfeita
materialização do sistema de cruzamento de interesses que impera no Brasil há
décadas”. Por esta razão, disse o senador, “não surpreende o fato de a
indicação angariar apoios entusiasmados de políticos que vão do petismo ao
bolsonarismo, nem a recepção expressiva por parte de ministros da Suprema Corte
que confundem costumeiramente o republicano dever de urbanidade com a
condenável confraternização efusiva com investigados poderosos e seus
representantes”.
No
condomínio de lealdades montado pelo presidente da República para a indicação
de Kassio Nunes Marques, o senador não incluiu a Ordem dos Advogados do Brasil.
A OAB, certamente, não esteve entre as instâncias consultadas por Jair
Bolsonaro, mas nenhum outro ministro terá chegado à Corte com tão fortes
vínculos com a instituição. Durante a sabatina, Kassio Nunes Marques falou até
do carrinho de cachorro-quente que teve em Teresina, mas não da parceria com o
ex-presidente da OAB, Marcus Vinícius Coelho Furtado, maranhense de nascimento,
mas criado no Piauí.
Com
a parceria, chegou ao conselho da Ordem e, a partir dele, ao Tribunal Regional
Federal da 1ª Região, no Distrito Federal. Contou, ainda, para o cargo, com o
apoio do ex-presidente da OAB-DF, hoje governador, Ibaneis Rocha, outro que
morou por muitos anos no Estado natal do novo ministro e cujo escritório, em
Brasília, tem muitos processos em tramitação no TRF-1. A ambos juntou-se o
senador Ciro Nogueira (PP-PI) e o presidente do STJ, ministro Humberto Martins,
para a chegada do desembargador ao Superior Tribunal de Justiça. Foi neste
momento, que o presidente, alertado pelo filho, o senador Flávio Bolsonaro, o
fisgou para o Supremo Tribunal Federal.
Trata-se
quase de uma “República do Piauí”, que tem planos de futuro buscando atrair
ainda o jovem Pedro Felipe Oliveira Santos. Juiz auxiliar do Supremo Tribunal
Federal, alçado pelo ministro Luiz Fux para a Secretaria-Geral da Corte, Santos
tem um currículo sem os mesmos puxadinhos do futuro ministro. Foi primeiro
lugar no concurso para a Justiça Federal, tem mestrado em Harvard e é
doutorando em Oxford.
Ao
longo de sua sabatina, o desembargador mostrou-se merecedor da confiança do seu
condomínio de indicações ao definir como o principal ativo de sua indicação, o
“garantismo”, rótulo que situou entre o “originalismo”, tradução literal do
texto constitucional, e o “ativismo”, interpretação da Carta que comporta um
judiciário participante da mudança social e política. Suas origens acrescentam,
senão um ativo, mas uma decorrência de sua indicação, a importância, para a
OAB, da ocupação de tribunais por ministros egressos da Ordem.
É
uma força que tem tradução numérica. Para que um recurso ao Supremo seja
acolhido, é preciso o aval de um ministro do STJ. Para que um apelo suba ao
STJ, também é necessário que um desembargador o ponha no elevador. Decisões
como essas podem render, a advogados, valores de até sete dígitos em
honorários. Na atual conjuntura da OAB, a proximidade com um ministro como
Kassio Nunes Marques, pode, ainda, desbalancear favoravelmente à atual direção
“garantista” na queda de braço travada internamente com os conselheiros de
filiação lavajatista. A se confirmarem as expectativas dos antigos companheiros
do futuro ministro na OAB, sua filiação aos princípios que hoje movem a Ordem
ultrapassarão, e muito, o mandato do presidente Jair Bolsonaro. Se ficar na
Corte até a aposentadoria compulsória, Kassio Nunes Marques só a deixará em
2047.
Ao
longo da sabatina, Nunes Marques valeu-se de vedações legais que o impedem de
vir a se manifestar sobre temas que podem entrar na pauta do Supremo, da prisão
em segunda instância à existência da TV Justiça. Disse ao senador Oriovisto
Guimarães (Podemos-PR), que lhe perguntou sobre a mediação do senador Flávio
Bolsonaro e do advogado Frederick Wasseff, que o presidente havia tomado a
decisão sozinho. E repetiu, em quase todas as respostas, sua determinação em
fazer valer a necessária segurança jurídica do país, numa sabatina que teve na
audiência Humberto Martins, do STJ. O ministro liderou a decisão daquele
tribunal que levou o prefeito do Rio e aliado de Bolsonaro, Marcelo Crivella, a
encampar a Linha Amarela.
O ministro foi menos convincente na reação às acusações em torno de seu currículo turbinado. Inventou o verbo “aspasar” numa tentativa de mostrar que sabe usar aspas. Disse que a Universidade Autônoma de Lisboa tem a “melhor ferramenta antiplágio do mundo”, mas não explicou porque sua orientadora, alertada pela revista “Crusoé”, teria aberto a possibilidade de rever o título concedido. Na dissertação acusada de plágio, o novo ministro defende que a União forneça medicamentos a todos os pacientes que deles necessitem. Chegará ao Supremo num momento em que a Corte pode vir a ser instada a se pronunciar sobre a vacina que o presidente quer negar aos brasileiros. Terá, então, oportunidade de mostrar o que, de fato, pensa sobre o tema.
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