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O Globo
A
insistência com que o vice-presidente Mourão e o presidente Bolsonaro elogiam o
coronel Brilhante Ustra pode provocar uma crise diplomática
À medida que fica cada vez mais claro que Joe Biden provavelmente será eleito o próximo presidente dos Estados Unidos, mais problemática fica a prospecção do relacionamento com o Brasil. No momento, a questão ambiental é o principal obstáculo a uma relação equilibrada com os americanos, e o comentário de Biden sobre as queimadas da Amazônia é exemplar dessa dificuldade.
Mas outro ponto de divergência pode ser a questão das torturas durante a
ditadura militar no Brasil. Ontem, o vice-presidente Hamilton Mourão insistiu
em elogiar o Coronel Brilhante Ustra, único militar condenado por tortura.
Biden, quando era vice-presidente de Obama, revelou a BBC News, esteve no
Brasil para entregar pessoalmente à presidente Dilma documentos sobre torturas
e ilegalidades cometidas durante a ditadura militar no Brasil, entre os quais
alguns que identificam Ustra como torturador contumaz.
Segundo a reportagem da BBC News Brasil, um HD com 43 documentos produzidos por
autoridades americanas entre os anos de 1967 e 1977, a partir de informações
passadas não só por vítimas, mas por informantes dentro das Forças Armadas e
dos serviços de repressão. Para Bolsonaro, no entanto, Ustra é “um herói
brasileiro” e para Mourão “um homem de honra”.
O presidente Bolsonaro reagiu à insinuação de Biden de que sérias sanções
econômicas serão definidas caso a situação do desmatamento da Amazônia não
melhore no Brasil. Nem mesmo a eventual captação, comandada pelos Estados
Unidos, de uma verba bilionária para ajudar o combate aos incêndios e ao
desmatamento foi considerada boa perspectiva pelo governo brasileiro, que se
apressou a dizer que não está à venda, vendo na proposta de Biden a intenção de
subjugar, não ajudar.
O vice-presidente Hamilton Mourão também comanda o Conselho Nacional da
Amazônia Legal, e estará no centro de qualquer desavença que surja nessa área
ou em outros setores, como o incômodo da nova gestão democrata com ditaduras
militares que Bolsonaro e Mourão não se cansam de elogiar.
Em uma entrevista à Deutsche Welle, o vice-presidente Mourão foi duramente
questionado sobre o fracasso do combate às queimadas na Amazônia, sobre a
pandemia da Covid-19, que já fez cinco milhões de infectados e quase 150 mil
mortes no Brasil e, por fim, sobre os elogios dele e de Bolsonaro ao Coronel
Ustra, condenado como torturador.
Mourão tentou driblar todas as perguntas passando uma visão tranqüilizadora da
situação do país, mas não quis escapar da questão sobre as torturas, embora
fizesse questão de colocar-se, e ao governo brasileiro, contra a prática: “O
que eu posso dizer sobre o homem Carlos Alberto Brilhante Ustra é que ele foi
meu oficial comandante durante o final dos anos 70 e ele foi um homem de honra
que respeitava os direitos humanos de seus subordinados. Então, muitas das
coisas que as pessoas falam dele – posso dizer porque tive amizade muito
próxima com ele — não são verdade.”
Os documentos entregues por Biden foram utilizados na Comissão da Verdade:
"Espero que olhando documentos do nosso passado possamos focar na imensa
promessa do futuro", disse o então vice-presidente dos Estados
Unidos. A Comissão da Verdade é outro ponto de irritação por parte de
Bolsonaro, que nega a validade de suas revelações.
"Esse é um dos relatórios mais detalhados sobre técnicas de tortura
já desclassificados pelo governo dos Estados Unidos", afirmou à BBC News
Brasil Peter Kornbluh, diretor do Projeto de Documentação Brasileiro do Arquivo
de Segurança Nacional Americano, em Washington D.C.
Ainda de acordo com Kornbluh, "os documentos americanos ajudam a lançar
luz sobre várias atrocidades e técnicas (de tortura do regime). Eles são
evidências contemporâneas dos abusos dos direitos humanos cometidos pelos
militares brasileiros”.
A insistência com que o vice-presidente Mourão e o presidente Bolsonaro elogiam
o coronel Brilhante Ustra pode provocar uma crise diplomática semelhante à
ocorrida no governo Geisel, quando o democrata Jimmy Carter deu uma guinada na
política de Direitos Humanos nos Estados Unidos.
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