Governo
federal comete uma loucura irresponsável na Amazônia
Faz
20 anos, O GLOBO publicou o artigo “Um mundo para todos”. Nele, transcrevi a
resposta à pergunta de um estudante durante palestra na cidade de Nova York, em
setembro de 2000. O jovem perguntou: “O que pensa de internacionalizar a
Amazônia?”. Antes que eu começasse a dizer “sou contra”, ele completou: “Quero
opinião de humanista, não de brasileiro”.
Respondi
que defenderia a internacionalização da Amazônia se antes fossem
internacionalizados os museus, as armas, o petróleo, os patrimônios históricos,
rios e florestas do mundo inteiro. Depois de uma longa lista do que julgava que
deveria ser internacionalizado, concluí: “Quando a humanidade internacionalizar
tudo isso, aceito debater a ideia de internacionalizar a Amazônia. Até lá, a
Amazônia é nossa. Só nossa!”.
Graças
ao artigo, a resposta foi traduzida em diversos idiomas e entrou na coletânea
de “Cem discursos históricos brasileiros”, elaborada por Carlos Figueiredo.
Anos depois, o fotógrafo Sebastião Salgado me disse que não gostava da última
frase.
Ele
estava certo. O discurso deveria concluir com uma frase adicional: “Mas, se não
soubermos proteger a Amazônia, não merecemos, nem conseguiremos tê-la para
sempre”.
A
resposta ainda não tinha dimensão humanista, porque tratava a Amazônia como
propriedade brasileira, sem perceber que ela é também patrimônio da humanidade,
parte do Condomínio Terra. Tal qual os móveis de um apartamento, cujo dono não
tem o direito de incendiá-los dentro de casa. O que está acontecendo com nossas
florestas é a demonstração de insensatez nacional e irresponsabilidade com a
Humanidade. Um patriotismo anti-humanista e suicida.
Ao
negar a realidade visível da destruição de nossas florestas, o governo federal
comete uma loucura irresponsável com o país e insensível com a Humanidade,
levando a população mundial a tratar o Brasil como país perigoso para o futuro
da vida no planeta, um país que pratica ecoterrorismo.
No
lugar da mentirosa defensiva do presidente e de seu ministro do Meio Ambiente,
deveríamos reconhecer nossos descuidos históricos, apresentar correções no
cuidado de nossa biodiversidade e assumir posição ativa, propondo uma
Conferência Internacional pela Preservação e Recuperação de Todas as Florestas
do Mundo — nossas, africanas, europeias, russas, asiáticas e norte-americanas,
cuidadas como propriedade do país e patrimônio da Humanidade.
Em
vez de incendiários, poderíamos ser os promotores do respeito às florestas da
Terra. É isso o que faríamos se ainda tivéssemos no comando do Itamaraty
diplomatas do porte daqueles que articularam a Rio-92 e a Rio+20. No Ministério
do Meio Ambiente, pessoas com a competência e o prestígio de José Goldemberg,
Marina Silva, Carlos Minc e Izabella Teixeira.
Tudo
indica que, em vez de tentar salvar o mundo, vamos continuar perdidos na
incompetência e na insensibilidade, e o mundo perdendo a chance de sermos
atores decisivos na proteção de todas as florestas do mundo.
*Cristovam Buarque é professor emérito da Universidade de Brasília
Nenhum comentário:
Postar um comentário