O
caminho do entendimento a partir de uma refeição
Brasília
tem sido agitada por uma sucessão de jantares. São encontros recorrentes que
ganharam relevância por causa dos desafios impostos pela pandemia e pela
política fiscal. Sobre esse assunto, dois aspectos devem ser considerados.
O
primeiro é que a sequência de eventos é um bom sinal. Revela que há a vontade
de se expor ao diálogo e o reconhecimento de que não existe monopólio de poder.
O segundo aspecto é que se trata do processo de construção de consensos. Em
torno da mesa se confrontam divergências e se buscam soluções. Não é um
fenômeno novo.
Pelo
menos desde os anos 80, quando os ventos da democracia voltaram a soprar no
Brasil, almoços e jantares sempre foram espaços de entendimento, conspiração,
lobby e agendas de poder. Restaurantes de Brasília foram templos de negociação.
Ulysses Guimarães, no Piantella, tinha a sua turma do poire, que articulou a
derrubada do regime militar nas eleições indiretas de 1985.
Na
Constituinte, entre 1986 e 1988, Luís Eduardo Magalhães, filho de ACM e
deputado constituinte pelo PFL, e José Genoíno, deputado e líder do PT, dois
políticos de campos opostos, atravessaram noites conversando e se entendendo.
Ou, pelo menos, reduzindo as diferenças.
O
evento que selou a paz entre Rodrigo Maia e Paulo Guedes caracteriza a política
da mesa de jantar
Os
jantares ocorrem de forma segmentada. Obviamente, os mais importantes servem
para debater pautas e conspirações. Mas também para alavancar carreiras. Fábio
Ramalho, deputado mineiro conhecido como Fabinho Liderança, durante anos
promoveu concorridos encontros semanais em sua casa. Ali, construiu uma rede de
apoios que o levou à vice-presidência da Câmara.
Na
gestão de Michel Temer, em oposição ao governo fechado de Dilma Rousseff, o
Palácio da Alvorada foi muitas vezes tomado por centenas de parlamentares em
jantares em que se debatia a agenda de reformas. Muitas resistências foram
debeladas a partir das oportunidades de diálogo.
A
pandemia feriu de morte alguns dos restaurantes de Brasília. Lamentavelmente,
Piantella e Gero fecharam as portas. Eram espaços neutros onde os diversos se
encontravam e dialogavam. Ao contrário do que acontece em Washington, nos
Estados Unidos, o establishment político nacional nunca privilegiou
restaurantes por razões partidárias.
O
medo da contaminação deslocou o foco dos eventos para as residências. Com menos
gente, mas com pautas ainda intensas. Quase sempre a comida é razoável, a
bebida é de qualidade, mas o que interessa mesmo são as articulações.
Recentemente, o evento realizado na residência de Bruno Dantas, ministro do
Tribunal de Contas da União, que selou a paz entre o presidente da Câmara, o
deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o ministro da Economia, Paulo Guedes,
motivou-me a cunhar a expressão “gastropolitics”, para caracterizar a política
em torno da mesa de jantar.
A
“gastropolitics”, longe de ser um problema, tampouco é solução. É apenas uma
exigência e faz parte do processo civilizatório, promovendo os meios para que
se discutam soluções. Lembrando que o fim da política é o começo da barbárie e
do conflito. Assim, dialogar nunca é demais.
*Publicado em VEJA de 14 de outubro de 2020, edição nº 2708
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