sexta-feira, 13 de novembro de 2020

Bruno Boghossian – O fiasco da contenção de danos

- Folha de S. Paulo

Ninguém teve coragem de usar a ferramenta mais eficaz: o impeachment de um presidente irresponsável

Na terceira semana de trabalho sob o governo Jair Bolsonaro, em fevereiro de 2019, a Câmara impôs ao presidente uma derrota vergonhosa. Mais de 350 deputados atropelaram o Palácio do Planalto e aprovaram a derrubada de um decreto criado para limitar a transparência de documentos públicos.

Bolsonaro recuou e revogou a norma dias depois, para fugir de um novo revés na votação do Senado. A decisão foi celebrada como um sinal de que os Poderes se levantariam contra os abusos do novo governo. Num canto qualquer de Brasília, alguém disse que as instituições estavam funcionando normalmente.

Passados 21 meses, a política brasileira continua presa a um esforço contínuo de contenção de danos. O presidente causa prejuízos ao país e comete seguidos crimes de responsabilidade, enquanto o Congresso e o Supremo se limitam a limpar uma pequena parte da bagunça.

O exemplo mais recente é a reação covarde à campanha explícita de Bolsonaro para sabotar a vacinação conta o coronavírus. O presidente do STF prometeu resolver a questão nos tribunais, outro ministro cobrou informações das autoridades, e secretários estaduais se mobilizaram para garantir a imunização.

A tentativa de consertar estragos ainda é necessária, mas o trabalho é sempre feito à espera da próxima atitude de Bolsonaro que pode custar vidas –sem medo de punições.

O Congresso e o STF já barraram a liberação desenfreada de armas de fogo, o avanço sobre a demarcação de terras indígenas, os atos golpistas do presidente e a instalação de um amigo na chefia da PF para blindar seu grupo político. Ainda assim, Bolsonaro não desistiu desses planos.

A arquitetura institucional até ajuda a amortecer alguns atos destrutivos. Bolsonaro precisaria de aval do Congresso, por exemplo, para meter o país numa guerra humilhante contra os EUA. Até agora, porém, ninguém teve coragem de usar a ferramenta de contenção de danos mais eficaz da política: o impeachment de um presidente irresponsável.

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