Uma
coisa é certa: em 2022 a política tradicional não embarca outra vez na canoa de
Bolsonaro
A
notícia do encontro de Luciano Huck com Sergio Moro levou de volta à cena da sucessão
presidencial o apresentador que andava sumido desde a eclosão da pandemia.
Outro efeito foi expor o ex-juiz ao frio e à chuva dos ataques à direita e à
esquerda e enquadrá-lo na moldura de companhia questionável: um tanto tóxica no
meio político, mas bem-aceita na sociedade.
Por
ora, fica por aí o andamento da construção de uma candidatura de centro capaz
de enfrentar Jair Bolsonaro em 2022. Isso no tocante ao que os artífices da
empreitada estão dispostos a revelar ao público, porque nos bastidores a coisa
segue o ritmo das conversas, aproximações e lances antecipados para futuras
alianças que vêm acontecendo desde o ano passado.
Huck
recolocado, Moro testado e João Doria instigado, mas mais interessado em se
firmar como contraponto a Bolsonaro do que em disputar espaços internos na
articulação de uma alternativa ao presidente. Este é o quadro e dele não
veremos grandes evoluções até que se possa dar por encerrada a crise sanitária,
definida a troca (ou repetição) do comando no Congresso e delineados os rumos
da economia, para o bem ou para o mal.
Aqui
o mapa do resultado do primeiro turno da eleição municipal tem importância
relativa. Para antecipar definições sobre vencedores e perdedores em 22, o peso
é zero. Temos exemplos a mancheias de derrotados numa e vitoriosos na seguinte,
e vice-versa. Importa sim o tamanho do eleitorado que sairá representado por
essa ou aquela força política, aí sim projetando uma tendência do estado de
espírito do eleitorado.
Pelas
pesquisas, o desenho revela uma inclinação ao já conhecido e/ou testado: Bruno
Covas em São Paulo, Eduardo Paes no Rio de Janeiro, o atual prefeito em Belo
Horizonte, os herdeiros de Eduardo Campos e ACM Neto no Recife e em Salvador,
respectivamente. Se confirmadas as intenções de voto, teremos a prevalência do
ânimo conservador (não no sentido ideológico) sobre humores pautados por
revolta e ressentimento.
É verdade que não temos nada parecido com figuras de escol em matéria de experiência e biografia. Temos de desconsiderar perfis ideais e trabalhar com as hipóteses postas. No campo da candidatura dita de centro, Sergio Moro não agrega e Luiz Henrique Mandetta não passa pelo crivo dos interesses do partido dele (DEM). Restam Luciano Huck e João Doria. Numa avaliação crua, Huck por enquanto se situa na desvantagem em relação a Doria.
Pelo
seguinte: o governador é do PSDB e já compôs uma aliança com o DEM e o MDB que
inclui a eleição municipal em São Paulo e outras capitais (Rio e Salvador, por
exemplo), a composição da chapa de 2018 com a cessão ao DEM da vice e a chance
de assumir o governo a partir de abril de 2022, além da escolha dos próximos
presidentes da Câmara e do Senado. Fechou, assim, com as forças políticas de
maior peso.
Esse pessoal pode mudar e se transferir para uma candidatura de Luciano Huck? Até pode, mas não fará isso antes de o apresentador mostrar capital eleitoral/partidário e transformar-se de celebridade popular em candidato competitivo. Uma coisa é este ou aquele político demonstrar simpatia e posar para fotos com Huck, outra é ver esses personagens embarcar na canoa dele para valer.
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Doria,
contudo, tem obstáculos fortes para ultrapassar: o pouco conhecimento em âmbito
nacional, uma certa antipatia país afora com a supremacia paulista e a
desconfiança do eleitorado do próprio estado pelo fato de ter abandonado a
prefeitura para concorrer ao Palácio dos Bandeirantes depois de ter prometido
cumprir o mandato.
Para
vencer essas dificuldades, Doria se posiciona como um contraponto a Bolsonaro a
fim de ganhar projeção e firmar imagem de governante civilizado e eficaz.
Ciente do peso do quesito aversão a “paulistices”, no lugar de se referir aos
“paulistas”, adota a expressão “brasileiros que moram em São Paulo”. Por sua
vez, Huck e até Ciro Gomes não têm responsabilidades governamentais e podem se
movimentar com mais liberdade.
A
despeito da indefinição do panorama hoje mais calcado em hipóteses a ser
definidas a partir de meados de 2021, uma coisa é certa: os políticos
tradicionais que em 2018 ficaram com Bolsonaro de modo utilitário e entraram na
eleição desarticulados não vão repetir a dose.
E
o papel do Centrão? É como diz um dos donos da voz da experiência na política
tradicional: “o centrão é o primeiro na fila dos cumprimentos ao vencedor”.
Publicado em VEJA de 18 de novembro de 2020, edição nº 2713
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