Como
Geisel e Aureliano, Mourão dá um choque de realidade nos absurdos
A
ira despudorada do presidente Jair
Bolsonaro não é só contra o futuro presidente da maior potência
do planeta e o governador do principal Estado do Brasil, mas também contra o
seu próprio vice-presidente, o general de quatro estrelas Hamilton
Mourão, que parece, no íntimo, se divertir com o descontrole e os
absurdos do presidente, que vira piada mundo afora.
“Quando acaba a saliva, tem de ter pólvora.” A patética ameaça
de Bolsonaro foi dirigida a Joe Biden,
mas poderia ter sido para Mourão, já que os dois estão sem se falar. Acabou a
saliva e sobrou a pólvora entre eles, lembrando João Figueiredo e Aureliano
Chaves. A diferença é que Figueiredo era general e Aureliano, civil; Bolsonaro
é capitão e Mourão, general.
O último presidente do regime militar também era destrambelhado, não raro ridículo, mas não estimulava golpistas, nunca ameaçou presidente nenhum, muito menos o dos EUA, nem pôs a saúde dos brasileiros em risco por ignorância e autoritarismo. O médico sanitarista Paulo Almeida Machado foi muito bem no Ministério da Saúde.
Figueiredo
também abandonou o governo para lá, mas na ditadura não havia votos nem
reeleição e ele não se lançou nos braços do “Centrão”
da época e não saiu agredindo o Guaraná Jesus e as pessoas como “maricas” e
“boiolas”. Quanto mais Figueiredo afundava no ridículo, mais Aureliano liderava
a dissidência, civil e logo militar, pela redemocratização.
Por
trás disso, impunha-se a autoridade do general Ernesto Geisel, que
antecedeu Figueiredo, patrocinou sua ascensão à Presidência e depois se tornou
fator decisivo para acordar as Forças Armadas contra o desmando, a bagunça e o próprio
Figueiredo. Entre o Brasil e o seu apadrinhado, Geisel ficou com o País.
Em
outras dimensões e circunstâncias, Mourão tem mais diplomacia do que Geisel e
Aureliano, mas corrige e tenta justificar o presidente e sua força é sua
fraqueza: Bolsonaro não engole as comparações com seu vice, homem culto, que
morou fora, fala línguas, gosta de livros, história e geopolítica. Como não
suporta as comparações, Bolsonaro não suporta o próprio Mourão.
Quando
o presidente desmentiu o general Eduardo
Pazuello e disse que o governo não compraria a vacina “da
China” ou “do Doria”, Mourão declarou: “Vai comprar, sim. Lógico que vai”.
Quando o presidente fez birra e se recusou a cumprimentar o vitorioso nos EUA,
Mourão foi mais ameno: ele deve estar esperando o resultado oficial...
Do
outro lado, só pólvora. Bolsonaro já descartou Mourão em 2022, disse que não
gasta saliva com o vice sobre assunto nenhum e ontem atacou uma proposta feita
pelo Conselho da Amazônia como “mentira” do Estadão, que a publicou, ou
“delírio” de “alguém do governo”. Bem... o conselho é presidido por Mourão.
Está
em estudo a expropriação de terras de quem cometer crime ambiental e o presidente,
furioso, disse que “o Brasil não é socialista/comunista” e que demitiria o
autor – “a não ser que seja indemissível”. Só há um indemissível no governo.
Logo, a pólvora teve destino certo.
Bolsonaro
diz que sua vida “é uma desgraça”, ataca tudo e todos, isola-se no mundo, no
País e nas suas patologias, com pólvora, armas, ameaças e zero medo do
ridículo. Sobram o Centrão, que pula fora num estalar de dedos, a “ala
ideológica”, dos filhos enrolados e um punhado de bobos, e os militares, que
fazem o “toma lá (cargos), dá cá (apoio)” que sempre condenaram nos políticos.
Mourão cria horizonte para o Centrão, desdenha de filhos e ideológicos e repete Geisel no fim da ditadura, dando um choque de realidade nos militares. Não é à toa que Sérgio Moro inclui o vice nas articulações que se dizem “de centro” e para 2022, mas são de resistência. Bolsonaro passou dos limites.
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