Sendo
um direito, o voto é também responsabilidade. Não há forças ocultas. Não há
geração espontânea. Há o voto e suas consequências.
É frequente ouvir a reclamação de que “nenhum deputado no Congresso me representa”. Ainda que seja habitual, quase um lugar-comum, incapaz de surpreender quem quer que seja, essa crítica tem sérias implicações. Ela não significa, por exemplo, que o Legislativo está distante ou que as leis aprovadas refletem pouco as preferências políticas pessoais. A frase “nenhum parlamentar me representa” estabelece uma radical – e absolutamente irreal – separação entre eleito e eleitor.
Como
diz a Constituição, todo o poder emana do povo. No Congresso, nas Assembleias
Estaduais e nas Câmaras Municipais, não há ninguém ocupando uma cadeira por
sucessão hereditária, patrimonial, cultural ou intelectual. Todos estão lá pela
mesma e única razão: receberam votos do eleitor. É verdade que, em muitos
lugares, a posse de determinado sobrenome facilita a eleição, mas o critério
decisivo e determinante continua sendo o voto, a vontade do eleitor.
E
se foi o voto que colocou todos os membros do Poder Legislativo em seus
respectivos cargos, é preciso reconhecer uma consequência insofismável – todos,
sem exceção, são representantes dos eleitores. Todos, de fato e de direito,
representam a população, que os escolheu.
Num
regime onde todos os cidadãos maiores de idade têm o direito de votar é falso
dizer que “ninguém me representa”. Talvez isso seja verdade num país em que,
por questão de sexo, raça, religião ou outro critério de discriminação,
determinadas pessoas são excluídas do direito de votar. Nesse caso, quem foi
privado do voto pode, com inteira razão, dizer que os eleitos não o
representam. No entanto, onde o direito de voto, além de ser assegurado a
todos, é obrigatório, essa afirmação não tem respaldo na realidade.
Vale
lembrar o que diz a Constituição no primeiro artigo do capítulo dedicado aos
direitos políticos: “A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal
e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos”. Essa importantíssima
garantia, decorrência direta do princípio da dignidade humana e da igualdade de
todos perante a lei, poderá ser observada de forma muito especial no próximo
domingo. Todos os cidadãos – sejam eles pobres ou ricos, desconhecidos ou
famosos, iletrados ou portadores da mais alta erudição – terão direito a um
voto.
Diante
da urna, todos são absolutamente iguais, sem nenhuma distinção. Pilar do regime
democrático, essa radical igualdade de todos os cidadãos assegura que a escolha
de um eleitor tenha a mesma importância que a escolha de cada um dos outros
milhões de eleitores. E esses votos, contados um a um – todos com idêntico peso
–, definirão o novo prefeito e os novos vereadores de cada município. Não
haverá como dizer que os políticos eleitos não representam o eleitor.
“Ninguém
me representa” não é apenas uma afirmação equivocada. Ela é cômoda. Ao
estabelecer uma separação absoluta entre o eleitor e os representantes eleitos,
a cidadania ganha ares de irresponsabilidade. O cidadão já não enxerga sua
contribuição, exatamente igual à de todos os outros, para a composição do
Congresso, da Assembleia Estadual e da Câmara Municipal. Nessa equivocada
lógica, os outros é que seriam os responsáveis pela lista de eleitos. E, ao
ignorar que os senadores, os deputados e os vereadores são seus representantes,
o eleitor que se isenta de responsabilidade nada cobra a ninguém, nada exige
dos eleitos – nem eficácia nem honestidade. Tem-se, assim, uma situação
paradoxal. O cidadão que omite deveres cívicos fundamentais é o mesmo a
alimentar um sentimento de superioridade moral. “Nenhum desses políticos me
representa”, diz.
O
regime democrático oferece uma oportunidade incrível. São os cidadãos que
escolhem, de tempos em tempos, seus representantes no Executivo e no
Legislativo. Sendo um direito, o voto é também responsabilidade. Basta pensar
que, ao longo dos próximos quatro anos, o prefeito e o Legislativo de cada
cidade serão exatamente aquilo que os eleitores quiserem que sejam no próximo
domingo. Não há forças ocultas. Não há geração espontânea. Há o voto e suas
consequências.
Recuperação desigual – Opinião O Estado de S. Paulo
Retomada
mais lenta do setor de serviços atrasa a recuperação dos empregos.
Maior fonte de empregos em tempos normais, o setor de serviços cresceu em setembro pelo quarto mês consecutivo, mas ainda sem retomar o nível de atividade pré-pandemia. Indústria e varejo começaram a recuperar-se mais cedo, em maio, e saíram mais rapidamente do buraco onde haviam caído em março e abril. Desde o início da retomada, o volume de serviços prestados acumulou expansão de 13,4%, resultado modesto quando comparado com a perda de 19,8% no período de março a maio.
Com
aumento de 1,8% em setembro, a prestação de serviços ainda foi 7,2% menor que a
de um ano antes. Foi a sétima taxa negativa nesse tipo de confronto. O balanço
de janeiro a setembro foi 8,8% inferior ao dos nove meses correspondentes de
2019. Em 12 meses o recuo foi de 6%. O último dado mensal da indústria foi
melhor que o de um ano antes, assim como o do comércio varejista. Também isso
mostra o descompasso na recuperação.
O
distanciamento social atingiu muito mais duramente os serviços do que os outros
setores. Quando se comparam os períodos de janeiro a setembro deste ano e de
2019, as maiores perdas são observadas em alojamento e alimentação, com queda
de 40,2%; transporte aéreo, com recuo de 37,6; e “outros serviços prestados às
famílias”, com declínio de 30%. É fácil entender o contraste com os serviços de
tecnologia da informação, com ganho de 6,5% no confronto entre os dois períodos
de nove meses.
Barbearias,
salões de beleza e academias também estão, sem surpresa, entre os negócios com
grandes perdas na fase de maior distanciamento social. Seus problemas foram
muito mais graves que os do comércio varejista, beneficiado, assim como parte
dos bares e restaurantes, pela possibilidade de vendas online.
O
governo conta com a recuperação dos serviços para o aumento do emprego,
principalmente informal, em 2021. Essa é uma das expectativas indicadas pelo
Ministério da Economia. Mas para isso a retomada do setor terá de ser bem mais
vigorosa que a observada entre junho e setembro. Além disso, a evolução dos
negócios, nos diferentes setores, será certamente afetada pelas prioridades de
milhões de famílias com orçamento muito apertado.
Com
o fim do auxílio emergencial, por enquanto previsto para dezembro, os
consumidores terão de controlar severamente seus gastos. Segundo o ministro da
Economia, Paulo Guedes, o auxílio poderá ser prorrogado se ocorrer no Brasil
uma segunda onda de covid-19. Nesse caso, haverá, de acordo com a perspectiva
do governo, condições mais favoráveis à oficialização de um novo estado de
emergência. Mas alguma pessoa ainda normal poderá desejar essa nova calamidade?
Uma
segunda onda será menos provável que na Europa, se muitos cidadãos,
contrariando as opiniões do presidente da República, forem cautelosos,
continuando a usar máscara e observando outras medidas de prevenção. O abandono
desses cuidados em muitas áreas da Europa e dos EUA foi desastroso. Produziu
mortes e internações evitáveis e forçou um retrocesso na abertura econômica.
No
Brasil falta um plano de manutenção da retomada. Contar com uma nova onda de
covid-19 para reativar ou manter o auxílio emergencial parece no mínimo
estranho. Também se fala, em Brasília, no lançamento de um grande programa de
microcrédito.
Crédito
fácil ajudará, mas sem substituir o auxílio direto ou um bom programa de
incentivo fiscal. Além disso, quanto risco os banqueiros estarão dispostos a
aceitar? De toda forma, essas questões parecem até estranhas quando nem se sabe
se um orçamento para 2021 será votado até 31 de dezembro.
Empresários
contam com as vendas de fim de ano para reforço de caixa. Há alguns sinais de
otimismo e as contratações têm aumentado. Mas, segundo a Federação do Comércio
do Estado de São Paulo, o varejo paulista deve contratar em novembro e dezembro
cerca de 22,9 mil funcionários, o menor número desde 2017, quando foram abertas
24,3 mil vagas. Em 2019 foram 35,3 mil. Como ficará o País depois do réveillon?
O governo tem pouco tempo para cuidar da resposta.
A crise se aprofunda no Peru – Opinião | O Estado de S. Paulo
Muitas
características da crise política de lá têm estreita semelhança com a crise no
Brasil.
Após uma tentativa abortada de impeachment em setembro, o Congresso do Peru aprovou na noite de segunda-feira a deposição do presidente Martín Vizcarra. A seis meses de novas eleições presidenciais, o episódio é só o mais recente capítulo de uma crise política que vem de longe e, tudo indica, está longe de terminar.
É
a segunda vez em três anos que o Congresso derruba um presidente. Vizcarra
assumiu no lugar de Pedro Pablo Kuczynski, que renunciou antes de sofrer
impeachment. Ele é acusado de receber propina em projetos de obras públicas
durante seu mandato como governador da província de Moquegua (2011-2014).
Embora nada tenha sido ainda terminantemente provado, a Constituição peruana
prevê a possibilidade de impeachment se o presidente for considerado
“moralmente inadequado” por 2/3 do Congresso.
No
ano passado, Vizcarra dissolveu um Congresso que relutava em votar as reformas
políticas propostas por ele, e convocou novas eleições legislativas. Mas a
configuração do novo Parlamento pouco foi alterada. Seus opositores seguiram
centrando fogo sobre sua ética e sua condução da pandemia. A média de mortes
per capita no Peru oscila entre a segunda e a terceira pior do mundo. A
economia encolheu quase 16% em 2020 e deve encolher mais 12% no próximo ano.
Mas
um sintoma emblemático da crise é que o presidente caiu muito mais por seus
desafetos no Congresso do que pelo clamor popular. Sua aprovação estava em 58%
e raramente caiu abaixo de 50%. Pesquisas locais apontam que 3/4 dos peruanos
se opunham ao seu impeachment e esperavam que ele completasse seu mandato se
concentrando na crise sanitária e na recuperação econômica.
Outras
pesquisas apontam que os peruanos veem a corrupção como a grande mazela do
país. Mas para muitos a guerra de Vizcarra com o Congresso era parte da solução
do problema. Vizcarra tem um perfil centrista e pragmático, tinha apoio dos
investidores e não planejava se reeleger. Mas isso não foi suficiente para
conter a hostilidade dos parlamentares, muitos acusados pelo próprio Vizcarra
de corrupção: 105 votaram por seu impeachment e só 19 contra.
“Há
uma febre anticorrupção no Peru desde os anos 1990”, disse o pesquisador para a
América Latina da Chatham House, Christopher Sabatini. “A anticorrupção é uma
ferramenta mais eficazmente utilizada por populistas e há uma combinação tóxica
de um sistema partidário colapsado e a febre da corrupção que agora está
mordendo Vizcarra.”
De
fato, muitas características da crise política peruana têm estreita semelhança
com a crise no Brasil. Dois ex-presidentes estão em prisão domiciliar; um
aguarda julgamento; e outro se suicidou para evitar a prisão. Não à toa todos
os casos, incluindo o de Vizcarra, estão em alguma medida relacionados a
acusações de pagamento de propina pela Odebrecht. Mas lá, como aqui, a justa
indignação com a corrupção tem levado a muitas reações abusivas e à
desmoralização indiscriminada da política.
Agora,
muitos peruanos temem uma escalada do populismo. Com efeito, o presidente do
Congresso, Manuel Merino, que assumiu a presidência da República, apoiou
diversas iniciativas temerárias, como a permissão de que os peruanos sacassem
previamente grandes parcelas de sua aposentadoria; a redução do imposto sobre o
valor agregado; e a suspensão do serviço de dívidas dos bancos ou dos pedágios
rodoviários. Muitos parlamentares pressionam por alterações constitucionais que
lhes permitam concorrer à reeleição.
Mais
de 20 pessoas, muitas no Congresso, já se declararam candidatas à presidência.
Nenhuma tem apoio partidário forte e dificilmente conseguirá formar bases
parlamentares consistentes num Congresso fragmentado, que pode a qualquer
momento acionar novamente o botão de ejeção.
Realisticamente,
é improvável que o ambiente revolto no Peru seja serenado num futuro próximo.
Um novo presidente ou uma nova legislatura dificilmente trarão algo realmente
“novo”, antes que o povo peruano consiga se mobilizar por uma longa renovação
da credibilidade de suas instituições e da política.
Efeito da Covid deverá ser decisivo na hora do voto – Opinião | O Globo
Descaso
com o vírus influiu na derrota de Trump e ajuda a explicar tropeços dos
candidatos de Bolsonaro
Não
dá para minimizar o efeito da mais grave pandemia mundial em um século na
escolha dos eleitores. O vírus teve grande peso na derrota de Donald Trump para
o democrata Joe Biden, e seu impacto já é visível nas eleições municipais deste
final de semana. Tal fato é aparentemente ignorado pelo presidente Jair
Bolsonaro, que demonstra não ter qualquer preocupação com o impacto eleitoral
da Covid-19, a ponto de comemorar pelas redes sociais a morte de um voluntário
nos testes da vacina CoronaVac. Mas não pelo eleitor.
É
sintomático que candidatos apoiados por Bolsonaro estejam tropeçando. O maior
exemplo é Celso Russomanno (Republicanos), que despencou da liderança para o
terceiro lugar na disputa paulistana. No Rio, Marcelo Crivella (Republicanos)
está literalmente nos braços do presidente no horário eleitoral. Para garantir
a disputada vaga no segundo turno contra Eduardo Paes (DEM), pena para derrotar
Martha Rocha (PDT) e Benedita da Silva (PT).
O
palanque eletrônico que Bolsonaro armou no Palácio da Alvorada e os vídeos que
gravou também não têm funcionado fora das duas maiores cidades do país. No
Recife, a Delegada Patrícia (Podemos) caiu de terceiro para quarto lugar. Em
Belo Horizonte, o nome de Bolsonaro, Bruno Engler (PRTB) — com quem o
presidente garantiu ter “linha direta” — é o quarto na preferência dos
eleitores. Em Fortaleza, o escolhido de Bolsonaro, Capitão Wagner (Pros),
deixou a liderança nas pesquisas para José Sarto (PDT), enquanto, em Manaus,
Coronel Menezes (Patriota) está em sexto lugar.
A
dificuldade de Bolsonaro para impulsionar candidatos municipais — enfrentada
também pelo petista Lula, incapaz até agora de viabilizar Jilmar Tatto em São
Paulo ou Benedita no Rio — tem explicação. Pesquisas feitas pelo cientista
político Carlos Pereira, com Amanda Medeiros, da Fundação Getulio Vargas (FGV),
do Rio, e Frederico Bertholini, da Universidade de Brasília (UNB), detectaram
divergências substanciais dos eleitores de Bolsonaro com a maneira como ele tem
enfrentado a pandemia.
Populistas
como Trump e Bolsonaro desprezaram o impacto das centenas de milhares de mortes
causadas por uma doença que não levam a sério. Adotaram um discurso
anticientífico e abriram mão da responsabilidade de liderar o combate ao vírus.
Como resultado, Estados Unidos (241 mil mortos) e Brasil (163 mil) lideram o
ranking mundial de mortes pela doença. Toda família tem parentes ou conhece
alguém que contraiu a Covid-19.
Os
pesquisadores verificaram também sinais claros de cansaço com a polarização
ideológica entre esquerda e direita. Além de custar eleitores a Bolsonaro, a
pandemia caiu como uma “bomba atômica” nesse choque entre extremos, afirmou
Pereira em entrevista ao GLOBO. As pessoas “se tornaram dispostas a saídas
menos radicais”. Querem agora “previsibilidade e conforto em vez de surpresas”.
Sinal de que o choque provocado pela Covid-19 na política parece longe de se
esgotar nas eleições municipais.
Plano para controlar ONGs na Amazônia não tem cabimento – Opinião | O Globo
Em
vez de limitar a atuação de organizações na região, governo deveria tratar de
preservar a floresta
Os
focos de incêndio na Amazônia entre janeiro e outubro de 2020 já superaram o
total do ano passado, mas o governo Jair Bolsonaro parece mais empenhado em
combater as ONGs que o fogo. Documentos do Conselho Nacional da Amazônia Legal
revelaram a intenção de criar um marco regulatório, cujo objetivo, descrito no
texto, seria “obter o controle de 100% das ONGs que atuam na Região Amazônica,
até 2022, a fim de autorizar somente aquelas que atendam aos interesses
nacionais”.
O
vice-presidente, Hamilton Mourão, que preside o conselho, inicialmente disse
desconhecer a proposta. Depois alegou ter havido erro de interpretação: “Essa
questão do marco regulatório das ONGs não passa por nenhum estudo mais sério no
momento”. Não explicou, porém, por que o plano, que leva sua assinatura, foi
enviado a ministros se não tem importância.
A
relação do governo Bolsonaro com as ONGs sempre foi conflituosa. Eis o que
disse numa transmissão ao vivo no dia 3 de setembro: “Vocês sabem que as ONGs
não têm vez comigo. A gente bota para quebrar em cima desse pessoal. Não
consigo matar esse câncer, em grande parte chamado ONG, que tem na Amazônia”.
Na
hora de combater problemas ambientais, o governo sempre volta a atacá-las. No
derramamento de óleo em 2019, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles,
insinuou, sem evidência, que a responsabilidade pelo vazamento poderia ser do
Greenpeace, a que chamou de “Greenpixe”(sic).
Faz um ano, Bolsonaro acusou, também sem prova, o ator Leonardo DiCaprio e a
ONG WWF de financiar queimadas.
A
insensatez de Bolsonaro fica explícita também quando rechaça proposta do
próprio Conselho da Amazônia de expropriar áreas onde houver queimada ou
desmatamento ilegal. “Não existe nenhuma hipótese nesse sentido. E, se alguém levantar
isso aí, eu simplesmente demito do governo. A não ser que essa pessoa seja
indemissível”, disse, numa indireta a Mourão.
Por
mais incoerentes que sejam, críticas às ONGs são normais, até porque elas não
estão acima do bem e do mal. Muita ONG não tem a seriedade necessária para
atuar no país. Mas querer autorizar apenas as favoráveis ao governo é um
despropósito. Vai contra o espírito de liberdade de opinião e ação políticas,
essencial às democracias.
Espera-se
que o plano canhestro não prospere. Em vez de empreender uma caçada às ONGs e
alimentar teorias conspiratórias de que estão a serviço de potências
interessadas em prejudicar o agronegócio, o governo deveria era tratar de
preservar a floresta. Com a vitória de Joe Biden nos Estados Unidos, a Amazônia
ganhará mais visibilidade. Restringir a atuação de ONGs que ajudam a
preservá-la seria péssimo sinal.
A queda do censor – Opinião | Folha de S. Paulo
Pesquisa
Datafolha mostra novo recuo de Russomanno, que tentou barrar divulgação
Apesar
das tentativas de censura movidas por Celso Russomanno (Republicanos),
candidato a prefeito de São Paulo, o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do
estado confirmou, em decisão
unânime, a liberação da mais recente pesquisa Datafolha sobre
intenções de voto para a eleição paulistana.
Os
resultados explicam o desespero do postulante, que continua a
cair nas preferências. Com base em entrevistas realizadas na segunda
e na terça-feira (9 e 10), o Datafolha mostra que o prefeito Bruno Covas (PSDB)
mantém-se em curva ascendente, tendo subido, em uma semana, de 28% para 32%.
O
patamar deixa o tucano às portas do segundo turno —e até com alguma chance de,
eventualmente, eleger-se na primeira rodada.
A
principal novidade da pesquisa é Guilherme Boulos (PSOL), que, após um período
de estagnação, assumiu o segundo lugar, embora mantenha-se em empate técnico
com Russomanno e o ex-governador Márcio França (PSB).
O
candidato do PSOL oscilou de 14% para 16%, enquanto seus rivais passaram,
respectivamente, de 16% para 14% e de 13% para 12%. A margem de erro é de três
pontos percentuais para mais ou para menos.
A
confrontação entre Covas e Boulos, aliás, foi um dos aspectos observados no debate
entre candidatos promovido pela Folha e pelo UOL na
terça-feira —evento valorizado por regras imaginosas e questões de interesse
para o eleitor.
Atrás
dos citados, vale registrar que o petista Jilmar Tatto, com oscilação de 6%
para 4%, mantém-se muito aquém do histórico eleitoral de seu partido. Com
dificuldades em obter apoio até mesmo de correligionários, Tatto faz uma
campanha sem empolgação, deixando para Boulos o papel de principal
representante da esquerda.
O
acentuado declínio de Russomanno, que chegou a marcar 29% das intenções em
final de setembro, é acompanhado de forte alta em seus percentuais de rejeição.
Agora
são 49% os que não votariam no deputado em nenhuma hipótese, fatia que já foi
de apenas 21%. O candidato iguala-se, dessa forma, a seu principal aliado, o
presidente Jair Bolsonaro, que na cidade de São Paulo é rejeitado por 50% dos
entrevistados, segundo a mesma pesquisa desta semana.
Sempre
recomendável, em especial diante do exemplo de eleições mais recentes, é
preciso não subestimar a possibilidade de movimentos de última hora do
eleitorado.
A
se manterem, contudo, as tendências que ora se desenham, o cenário é certamente
desfavorável a Russomanno, um veterano em derrotas na cidade. Não há melhor
indicador disso que a tentativa de esconder informações da população.
Política em colapso – Opinião | Folha de S. Paulo
Peru
derruba 2º presidente desde 2018, e antecessores são acusados de corrupção
Como
se não enfrentasse problemas suficientes com a pandemia de Covid-19, que lá
produz a maior taxa de mortes do mundo, o Peru mergulhou em um nova turbulência
política com a
destituição do presidente Martín Vizcarra.
Na
segunda (9), o Congresso decidiu afastar o mandatário com base em controverso
artigo da Constituição que trata da “incapacidade moral” para exercer o cargo.
A
remoção de Vizcarra, a cinco meses da eleição presidencial, assentou-se na
acusação de que ele orientou subordinados a mentir a respeito de supostos
pagamentos superfaturados a um músico local por serviços prestados ao governo.
Pesa
contra ele, ademais, a suspeita de ter recebido subornos de construtoras
durante o período em que era governador, de 2013 a 2014.
Com
sua saída, assume o poder o líder do Congresso, Manuel Merino, nada menos que o
terceiro presidente desde o pleito de 2016 —origem da atual crise peruana.
Vizcarra
ascendeu à Presidência em março de 2018, substituindo Pedro Pablo Kuczynski,
que renunciou em meio a um escândalo de corrupção envolvendo a empreiteira
brasileira Odebrecht.
Sem
uma base parlamentar sólida, o novo mandatário lançou-se numa cruzada
reformista, prometendo limpar o sistema político do país —mensagem que soou bem
aos ouvidos de uma população exausta dos escândalos que enredaram políticos,
juízes e empresários nos últimos anos.
Basta
dizer, a esse respeito, que praticamente todos os chefes do Executivo nas
últimas três décadas terminaram sendo investigados
ou processados por corrupção.
As
investidas de Vizcarra azedaram a relação com o Legislativo e, após uma crise
institucional, ele dissolveu o Congresso, convocando novas eleições. O novo
Parlamento, porém, mostrou-se ainda mais fragmentado e conflituoso.
Acrescenta
complexidade a esse cenário o fato de que Vizcarra, um dos presidentes mais
populares das últimas décadas, terminou destituído apenas com base em
suspeitas, e com quase 80% da população defendendo que ele continuasse no cargo
enquanto prosseguissem as investigações.
Não
surpreende que protestos
contra a sua saída tenham eclodido em Lima e outras cidades.
Nesse
cenário volátil e inflamável, espera-se que o novo presidente não se valha de
pretextos para adiar a eleição de abril do ano que vem —e que esse pleito logre
produzir a estabilidade institucional de que o país tanto necessita.
Eleição definirá disputa de forças no campo conservador – Opinião | Valor Econômico
Eleições
indicarão indiretamente as forças com que poderá contar para a reeleição
As
eleições municipais de domingo serão as mais incomuns pelo menos desde a
redemocratização. Ela ocorrerá sob uma pandemia, que matou mais de 163 mil
pessoas, adiou o pleito para novembro, encurtou a campanha eleitoral e impediu
a visibilidade plena dos candidatos, com a inconveniência de aglomerações.
Nelas estreará a proibição de coligação para cargos proporcionais, eliminando a
possibilidade direta de candidatos populares de um partido arrastarem outros
obscuros, de partidos diferentes e até com políticas opostas. Por esse motivo,
a disputa eleitoral terá o maior número de candidatos da história, 551 mil.
Será
uma das raras eleições em que um presidente da República, após grande vitória
nas urnas, não tem sequer um partido. Elevado à segunda maior bancada na Câmara
dos Deputados na onda bolsonarista de 2018, o PSL viu-se na exótica situação de
ter mais deputados (53) do que prefeitos (30, em 2016). É uma das poucas
disputas também em que o presidente que pretende a reeleição, como Jair
Bolsonaro, desprezou, por convicção, desinteresse ou intrigas paroquiais, a
possibilidade de explorar sua popularidade para construir uma legenda que lhe
desse capilaridade em todo o país. Também incomum é o fato de o PSL ser
vice-líder em dotação do fundo eleitoral (R$ 199 milhões) e não ter candidatos
competitivos para bancar com tantos recursos.
As
eleições municipais tem seu universo particular, que não é, porém, limitado.
Não é o presidente que está diretamente sob julgamento político e as questões
locais prevalecem sobre as nacionais (ou deveriam), mas formam-se nelas a rede
de apoios políticos que moldarão o desenho estadual e federal das próximas
disputas. Elas podem dizer pouco sobre o destino de Bolsonaro, mas indicarão
indiretamente as forças com que poderá contar para a reeleição, assim como as
de seus rivais.
A
influência eleitoral de Bolsonaro é pequena nesse pleito, por sua natureza, e
mais ainda porque o presidente, sem partido, só escolheu alguns indicados por
afinidades militares ou ideológicas - quase todos em péssima situação nas
pesquisas. Nas duas maiores capitais, São Paulo e Rio, Celso Russomanno e o
prefeito Marcelo Crivella, ambos do Republicanos, não deverão vencer.
Russomanno desaba nas enquetes e sequer chegará ao segundo turno, e Crivella
tem metade das intenções de voto do favorito, Eduardo Paes (DEM) e empata na
segunda posição com outros candidatos.
Se
os prognósticos se revelarem corretos - com campanha eleitoral e exposição
pública dos candidatos reduzidas -, as chances dos que já ocupam o comando das
prefeituras são muito maiores que as dos demais. O cientista político Antonio
Lavareda estima que a reeleição chegará a 80% nas maiores cidades e a 75% ou
mais nas capitais (Valor,
ontem). Com isso, não haverá nenhuma onda bolsonarista, e sim a continuidade de
uma onda conservadora que estourou nas urnas em 2016 e abriu caminho à vitória
de Bolsonaro.
Bolsonaro
prescindiu de partidos para ganhar a Presidência e confia em excesso em sua
popularidade, conquistada por cima das legendas. Como presidente com alto
índice de rejeição já nos primeiros meses de governo, e uma aversão às
instituições em geral, disputar a reeleição no grito tornou-se inviável. Isso e
mais os problemas judiciais da família o fizeram mudar de rumos e buscar apoio
no Centrão, tanto para terminar seu mandato como para ganhar mais um.
Em
2016 as legendas que hoje grudam em Bolsonaro (PP, PL, Republicanos,
Solidariedade, PTB, Pros, PSC, Avante e Patriotas) venceram 1392 prefeituras
(um quarto do total). Com mudanças de legenda e somados aos votos do PSD, de
Gilberto Kassab, que integra o bloco, o Centrão tem 2198 prefeituras, 39,4% do
total. O PT (que naufragou nas urnas em 2016), mais as legendas de esquerda
conquistaram 1098 municípios (19,5%). A centro-direita tradicional, que poderia
servir de base para uma candidatura no campo conservador contra Bolsonaro (MDB,
DEM e PSDB) detêm o comando de 1871 prefeituras (31%).
Assim, nas peças que podem se mover no tabuleiro do preâmbulo da eleição presidencial, o Centrão tem base maior que, expandida, pode se fortalecer e aumentar o poder de erradicação de uma candidatura Bolsonaro. A centro-direita convencional tem boas chances de aumentar sua participação, mas a disputa em seu início parece estar toda no campo conservador, com a esquerda, dividida, procurando um rumo e o PT tentando se recuperar e reafirmar sua hegemonia. É claro que o jogo sempre pode mudar muito.
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