Negligência
festeira e governo incapaz criam risco de verão sufocante: a Europa avisa
Parte
da gente remediada, bem de vida ou rica que frequenta as praias do litoral
norte de São Paulo marca grandes
festas de fim de ano, noticia esta Folha. Aparecem relatos aqui e
ali de hospitais privados cuidando de mais doentes de Covid-19, embora os dados
não sejam bastantes nem para esboçar um chute de estimativa das internações
recentes.
O
governo paulista, que teria o mapa completo do problema, diz que não há tendência
de aumento da ocupação de leitos por causa da epidemia.
As
notícias da agenda animada de festas, no entanto, fazem lembrar da negligência
do início da calamidade, das festas de casamento e outras aglomerações
que ajudaram
a espalhar o vírus como bombas sujas, radioativas.
Não
há fatos que indiquem um repique da epidemia em São Paulo, na maior parte dos
estados ou na média nacional. Mas, como se escrevia faz duas semanas nestas
colunas, a Europa outra vez nos dá um alerta. Foi assim em fevereiro e março,
para o que muita gente aqui ligou pouco.
Para
resumir um assunto complicado, a situação em muitos países da Europa está por
ora fora de controle, a julgar pelo número de mortes. Como as novas restrições
e distanciamentos foram impostos no início do mês, ainda não dá para saber se
tiveram resultado. Mas o espalhamento da doença, com ou sem restrições, vai
danar a atividade econômica europeia em novembro.
O
repique de casos, mesmo sem restrições, já prejudicara outubro. A retomada em
dezembro, se houver, será entre cautelosa e lenta, para ser otimista.
Na
Europa, o número relativo de novas mortes é o triplo do brasileiro (medido pela
média móvel de mortes em sete dias, por milhão). Na França, 5 vezes o do
Brasil. Na Itália, 4,4 vezes. Na Espanha, 3,5 vezes. No Reino Unido, 3,2. Mesmo
na disciplinada e organizada Alemanha, o número relativo de novas mortes agora
é praticamente igual ao daqui.
A
taxa de infecção geral acumulada nos maiores países europeus, menos a Alemanha,
não deve ser muito diferente da brasileira, embora estejamos de novo no escuro
a respeito disso.
De
qualquer modo, o Brasil poderia entrar em temporada menos triste na saúde e na
economia. O número diário de mortes rondou a casa de 5 por milhão, em julho; é
de 1,7 agora, ainda o horror de 365 mortes por dia, mas diminuindo.
Os
auxílios emergenciais vários evitaram recessão convulsiva. As taxas de juros
estão em níveis historicamente baixos. Comércio e indústria vinham despiorando
em ritmo melhor do que o esperado. Se o controle da epidemia fosse melhor,
haveria menos mortes, menos medo, e o setor de serviços estaria andando mais
rápido também.
Se
houvesse governo federal, haveria um plano sanitário. Haveria ao menos um plano
econômico, um programa para lidar com o fim dos auxílios, em dezembro, e um
projeto qualquer de diretriz econômica que fosse apenas sensato, “arroz com
feijão”. Ou seja, um plano ao menos para satisfazer os donos do dinheiro e não
causar tumulto financeiro, um plano básico para cuidar do orçamento. Não há
nada disso.
O verão pode ser muito abafado. Que não seja sufocante. As festas da negligência alegre podem ser mortíferas. A paralisia da administração econômica pode largar de novo muita gente em miséria ainda maior, no mínimo. O governo de Jair Bolsonaro continua o seu culto da morte, a campanha de desmoralização das vacinas e a nomeação de terraplanistas militares para cargos técnicos da saúde. Vai ser por sorte ou andanças desconhecidas do vírus que poderemos escapar de uma segunda onda de desgraça.
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